Yippee ki-yay Mr Falcon – ou: Como Hollywood me fez acreditar que ator brasileiro é tudo desbocado

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Quando a gente via filme nacional – obrigado, por causa dos curta-metragens- ou por vontade própria, no caso do Sala Especial da TVS (No Rio passava na TVS, sosseguem, paulistas) a gente concluía algumas coisas. Primeiro, brasileiro não sabe fazer cena de lésbica. Nem as atrizes lésbicas funcionavam direito. Segundo, o som era uma merda e terceiro, brasileiro falava palavrão pra caramba, era merda pra lá, porra pra cá, caralhos a rodo, voadores ou não. 

Já os filmes americanos que a gente via no cinema e na TV eram bem mais limpos. Ninguém falava palavrão, o máximo de xingamento era “bastardo”. Mas sabíamos a tarefa inglória dos editores, para adequar os filmes à censura.

Quer dizer, a censura em si era tranquila de editar, você cortava e pronto, no máximo algumas regras doidas como as revistas masculinas, que só podiam mostrar um peito de cada vez por foto. Adaptar era mais complicado. No cinema era questão apenas de remover os palavrões das legendas, como teoricamente ninguém sabia inglês, problema resolvido.

Pior caso era o raro filme tipo Laranja Mecânica, que o Governo sofreu pressão pra liberar, então enfiaram umas bolas pretas tampando as partes pudentas dos atores nas cenas de nudez, mas como aqui é Brasil e a gente não faz nada direito, várias vezes as bolas não acompanhavam e vazava um peitinho, pra desespero dos Generais e das Senhoras de Santana (pergunte a seu professor de História).

Já na TV os filmes eram alegremente mutilados. Cenas inteiras desapareciam se tivessem nudez ou violência em excesso, mais ou menos o que o pessoal da Lacração quer fazer com as séries politicamente incorretas. Alguns assuntos eram proibidos, então a tradução e a dublagem cuidavam de adaptar.

Por muito tempo não houve nenhuma apreensão de drogas em seriados de TV. Era sempre “muamba”, mesmo quando a muamba era pó branco em sacos dentro de uma mala.

O que muita gente não sabe é que não só países sob regimes autoritários com ridículas regras de moral e bons costumes (estou olhando pra você, Brasil de 1980 e pra você também, Europa de 2025) editam seus filmes para satisfazer exigências de decência. A gente se acostumou com os Game of Thrones da vida, mas acredite, lá não passa em canal aberto, o espectador médio se escandaliza com isto:

Foi o Nipplegate, no show do intervalo do Superbowl o Justin Timberlake arrancou parte da roupa da Janet Jackson, exibindo o piercing da cantora. Foi algo mínimo, coisa de fração de segundo, mas o suficiente pra virar escândalo, campanha de cartas pro FCC exigindo providências, o que acarretou uma multa de US$550 mil que a CBS teve que recorrer na Justiça. Veja o momento do escândalo, tendo em mente que aqui o Fantástico passa clipe da Anitta e o mundo não acaba:

Percebe-se que a TV aberta não deve passar muitos motherfuckers durante sua programação diária, e realmente não passa. Em seriados de canais abertos como NCIS ninguém fala palavrão ou aparece pelado. A moralidade é balizada pelo Cinturão da Bíblia e serve pro país inteiro. Mas como fazer quando se trata de filmes?

Algo muito comum é filmar versões alternativas, No clássico O Demolidor, de 1993 há toda uma mitologia de que o vencedor da Guerra das Franquias foi o Taco Bell,e por isso todos os restaurantes são Taco Bell. Só que na Europa não há Taco Bell e eles não iriam pagar por um merchã onde não há clientes. Os produtores negociaram então com o Pizza Hut, as cenas foram redubladas e as logomarcas trocadas, em pós-produção.

 

Esse tipo de versão alternativa é bem comum, Flashdance passou algumas vezes na Globo na versão em que Alex não é aceita no conservatório. Sempre que possível são gravadas versões das cenas para a inevitável versão televisiva/família dos filmes, e os resultados são hilários, como no excelente pelos motivos errados Snakes On a Plane, filme que o Samuel Jackson só aceitou fazer por causa da frase:

“Enough is enough I have had it with these motherfukin snakes on this motherfukin plane!”

Na versão “família” foi gravada a seguinte variação:

 

Pois é.

“Enough is enough I have had it with these monkey-fighting snakes on this monday-to-friday plane!”

John McLane e seu Yippee ki yay motherfucker?  Nem em sonho, na TV aberta foi dublado por um sujeito genérico e passou a ser Yippee ky yaya Mr Falcon.

 

O resto do filme é, claro, todo mutilado também com palavrões e profanidades devidamente removidas.

Um dos canais especializados em fazer isso é a TNT, mas de um jeito ou de outro todo mundo edita filmes para se adequarem ao público, o que é um absurdo. O público que deve se adequar ao filme, cacete. Daqui a pouco o Protógenes vai exigir uma versão família de TED para poder levar o pequeno Juan.

De todos os filmes mutilados pela censura familiar nos EUA talvez o mais irreconhecível seja Robocop. A versão que vimos no cinema já era mutilada em relação ao que Paul Verhoeven queria, foram 11 versões até ganhar a classificação de R-Rated, e mesmo assim o filme já é aquele delicioso show de hiperviolência e sátira.

Na TV todas as partes boas foram adulteradas, até o sujeito que é polpificado pelo ED-209 tem apenas um ataque epilético, se remexendo sem levar nenhum tiro. Veja algumas edições:

 

Algo que é impressionante é que há uma cena onde Alex Murphy está andando no vestiário e uma policial com os topless de fora aparece em primeiro plano vestindo um colete balístico. Na versão censurada a mesma cena mostra a mesma policial, usando um top. Ele foi desenhado em cima da imagem original. Isso daria trabalho hoje, imagine em 1987. Aqui a cena isolada e comparada.

Quando George Lucas lançou uma versão especial de Star Wars com Greedo atirando primeiro um monte de nerds tetudos  teve crise de choro dizendo que estupraram sua infância, que aquilo não se faz, bla bla bla. O problema é que faz sim, fazem o tempo todo e nós crescemos vendo versões alternativas e modificadas de séries filmes e desenhos. E ninguém morreu por causa disso.

E sim, a edição pra TV de Pulp Fiction é uma comédia, pelos motivos errados. “English, little sucker!”

 

Se você está achando um absurdo essas alterações, imagine os criadores dessas obras. Se bem que artistas profissionais conhecem as regras do jogo. Já na Renascença os artistas colocavam seus mecenas, as amantes, esposas e dignatários da cidade como personagens das pinturas, integridade artística é bom mas ter como pagar as contas é melhor ainda.



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