Uma emocionada carta contra a desastrosa prática das queimadas

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Sim, eu sei, é Suécia, em 2014, não estrague a Narrativa.

Neste momento de grave comoção eu peço que me perdoem e me permitam algumas linhas em um raro tom mais poético e indignado que o convencional deste blog.

A Praga

Ficamos estonteados com notícias das proezas infernais dos belicosíssimos terroristas islâmicos do ISIS, a ponto de não nos sobrar olhos para enxergar os males caseiros. Agora a voz do sertão vem dizer para o povo da cidade que  se lá fora o fogo da guerra lavra implacável, fogo não menos destruidor devasta nossas matas, com furor não menos xiita.

Agora em Agosto, agravado pelo inverno prolongado, o fogo lambe montes e vales, sem um momento de tréguas, e o fará pelo mês inteiro. Em Setembro talvez venham chuvinhas de apagar poeira, e com a chegada do verão a floresta talvez se recupere um pouco.

A floresta amazônica ardeu como ardem as cidades da Síria, ela é hoje um cinzeiro imenso, entremeado aqui e acolá, de manchas de verdura – as restingas úmidas, as grotas frias, as nesgas salvas a tempo pela cautela dos aceiros. Tudo mais é crepe negro.

Nos preocupamos com os refugiados da Síria,  mas ninguém cuida de calcular os prejuízos de toda sorte advindos de uma assombrosa queima destas. As velhas camadas de humus destruídas; os sais preciosos que, breve, as enxurradas deitarão fora, rio abaixo, via oceano; o rejuvenescimento florestal do solo paralizado e retrogradado; a destruição das aves silvestres e o possível advento de pragas insetiformes; a alteração para piora do clima com a agravação crescente das secas; os vedos e aramados perdidos; o gado morto ou depreciado pela falta de pastos; as cento e uma particularidades que dizem respeito a esta ou aquela zona e, dentro delas, a esta ou aquela “situação” agrícola.

Isto, bem somado, daria algarismos de apavorar; infelizmente no Brasil subtrai-se; somar ninguém soma…

Isto, bem somado, daria algarismos de apavorar; infelizmente no Brasil subtrai-se; somar ninguém soma…

É comum de agosto, e típica, esta desastrosa queima de matas; nunca, porém, assumiu tamanha violência, nem alcançou tal extensão, como neste tortíssimo 2019. Razão sobeja para, desta feita, encarnarmos a sério o problema. Do contrário a Amazônia será em pouco tempo toda um sapezeiro sem fim, erisipelado de samambaias.

E quer saber? De nada adianta se queixar ao Bispo, ao Delegado, ao Prefeito. Quem bota fogo na mata são os eleitores do governo, todos do governo. E o eleitor da roça, em paga da fidelidade partidária, goza-se do direito de queimar o mato alheio.

O leitor contumaz já percebeu que o texto não é de minha autoria. Antes que seja acusado de kibar palavras alheias, explico: Com poucas alterações o texto acima é uma versão da carta/crônica Velhas Pragas, publicada no Estado de S.Paulo em… 1914. O autor? Este sujeito aqui:

Isso mesmo. Em 1914 Monteiro Lobato já ficava extremamente irritado com a prática das queimadas em sua querida Serra da Mantiqueira, uma prática comum dos caboclos, pois era mais simples e bem menos trabalhoso botar fogo na mata, ao invés de derrubar manualmente para criar campos plantáveis.

Em verdade se você considera queimadas uma prática bárbara, selvagem, coisa de gente primitiva e com comportamento pré-histórico tipo o Bolsonaro, está certo. O caboclo não foi o inventor dessa técnica, os índios praticavam queimadas no Brasil 12 mil anos atrás, embora a Wikipedia passe a estranha mensagem que queimadas são uma prática benéfica se feitas pelos índios, mas se for branco aí é ruim.

Lobato mesmo em sua época se preocupava com as alterações climáticas, causadas pelas queimadas, e denunciava a ineficiência das Leis. Sim, mesmo em 1914 já era proibido atear fogo em florestas, desde 1914 ninguém respeitava a Lei, claro.

A baixa produtividade da terra exaurida pelo fogo também é notada pelo escritor, e o desprezo do homem do campo pela terra que traz seu sustento. Lobato era ferrenho contra a imagem do caboclo idealizado, do nobre e sábio homem do campo. Ele odiava o Jeca Tatu. Não a pessoa do Jeca, mas a condição, Lobato dizia que o caboclo estava Jeca, não era Jeca.

Ver a discussão atual (que se eu não correr sairá de pauta antes de terminar este artigo) não me traz esperança, já vi inúmeras pautas nobres surgindo e desaparecendo da atenção popular, mesmo antes de tudo que você precisava fazer para se mostrar engajado era dar RT na tag #PrayForAmazonas (sic).

Eu não estou dizendo que não se deve fazer nada, só estou dizendo que nada VAI acontecer, os fazendeiros em Rondônia, que elegem todos os deputados prefeitos e governadores vão continuar intocados, o jovem indignado vai mudar de hashtag pra companhar a nova indignação popular e o Bolsonaro vai falar alguma outra besteira ou irritar algum outro grupo, e o foco mudará.

Quanto à Amazônia, ela não vai acabar. Com ajuda de satélites cientistas acharam vestígios de uma civilização indígena composta de mais de 1500 aldeias interconectadas, com cidades de 100 mil habitantes e algo entre 1 ou 2 milhões de pessoas. Por volta de 1500 essas cidades começaram a se dispersar e hoje foi tudo tomado pela mata.

Chernobyl renasceu como uma verdejante reserva biológica, a Natureza reclamou de volta seu espaço. A Floresta da Tijuca é totalmente artificial, foi obra de um projeto de reflorestamento ordenado por Dom Pedro II e comandado pelo Major Archer (LANA!!!!) e mais seis escravos.

Cem anos antes Monteiro Lobato encerrava sua carta lamentando o desprezo do caboclo pela terra, mas notando que quando ele vai embora a Natureza toma de volta o que é seu de direito, e a única coisa que sobram são lembranças ruins.

” Quando se exaure a terra, o agregado muda de sítio. No lugar fica a tapera e o sapezeiro. Um ano que passe e só este atestará a sua estada ali; o mais se apaga como por encanto. A terra reabsorve os frágeis materiais da choça e, como nem sequer uma laranjeira ele plantou, nada mais lembra a passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico Marimbondo, do Jéca Tatú ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a natureza circunvizinha.”

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