Aprenda com Hitler: nunca menospreze um ceguinho

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Jacques Lusseyran em close, de gravata, acendendo um cigarro e usando um dedal. Não, não faço idéia da relevância do dedal.
Jacques Lusseyran, pós-guerra. Spoiler: Ele sobreviveu

Não que os dois primeiros fossem excelentes, mas o Terceiro Reich era especialmente ruim para deficientes. Campanhas de eugenia promoviam esterilização de qualquer um que não tivesse o número correto de membros funcionando, oportunidades de emprego também não eram exatamente incentivadas.

Durante a Aktion T-4, mais de 300 mil alemães sofreram “eutanásia involuntária”, com agentes do governo visitando sanatórios e hospícios e identificando pacientes com deficiências mentais ou problemas psiquiátricos graves.

Os mortos incluíam crianças, só em um hospital mais de 1000 menores foram mortos, e seus cérebros ainda eram comumente removidos para “estudos”.

Essa visão de inferiorizar deficientes acabou se voltando contra os nazistas mais de uma vez. Um bom número de nazistas mergulhou para a morte presos em seus aviões em chamas, tendo que levar para o Inferno a vergonha de terem sido derrotados por Douglas Bader, um piloto veterano que perdeu as pernas em 1931.

Douglas Bader em pé na asa de seu caça, segurando no vidro do cockpit, equilibrado em uma perna mecânica e levantando a outra para entrar no avião.
Douglas Bader

A própria produção industrial alemã sofreu por não acharem que outro grupo inferior, geneticamente deficiente comparado ao Homem Alemão poderia suprir a mão de obra necessária: Mulheres.

Só bem tarde os nazistas aceitaram a participação feminina em atividades que não envolvessem confecção e gerenciamento de bebês.

No lado inimigo então, era bem pior. Os nazistas viam os inimigos como sub-humanos, e os inimigos deficientes como sub-sub-humanos, praticamente comentaristas de portal.

Inferiores e inofensivos, os deficientes inimigos eram praticamente invisíveis para os nazistas. E essa invisibilidade era bem usada.

Quando os aliados começaram a preparar a invasão da Normandia, era imperativo obter detalhes das fortificações alemães. Uma fonte essencial foi a Resistência Francesa, mas os agentes não podiam chegar perto sem despertar suspeitas.

A solução? Mandaram um coroa, bem velhinho e cego, que todo dia ia passear pelas praias guiado por um garotinho de uns 8, 9 anos. Os soldados não incomodavam os dois. Enquanto isso o garotinho ia descrevendo tudo que via. O velho cego, com uma memória prodigiosa, memorizava cada detalhe.

Durante a noite era tudo telegrafado para Londres.

De todos os deficientes ignorados pelos nazistas, nenhum causou mais danos do que Jacques Lusseyran, que tinha duas características que o destacavam: Ele era francês, mas não se rendeu, e era cego, e também não se rendeu.

Jacques nasceu em 1924, sua infância foi marcada por um acidente aos 7 anos no colégio, quando ficou cego, e pelo rádio, aonde ele acompanhava as notícias do mundo e pegou um justificado horror por Adolf Hitler.

Ele aprendeu alemão por conta própria, para acompanhar as rádios da Alemanha e saber o que o baixinho bigodudo estava planejando, e não foi surpresa para Jacques quando a Alemanha invadiu a França em maio de 1940. Nos anos seguinte, quando ele tinha 17 anos, um de seus professores preferidos cometeu o crime de ser Judeu e foi levado pela SS.

Jacques Lusseyran e outros estudantes do mesmo colégio decidiram montar um grupo da Resistência.

Just the good ol' boys... Never meanin' no harm...
Jovens membros da Resistência Francesa.

Eles realizavam pequenas sabotagens, mas principalmente combatiam os nazistas com informação, coletando dados e distribuindo panfletos denunciando as mentiras nazistas e contando o real estado da Guerra na Europa.

Jacques navegava impunemente entre as tropas da SS, ninguém desconfiava do ceguinho adolescente, enquanto sua mochila, ou seja lá o nome que os franceses usavam na época, estava cheia de documentos comprometedores.

Graças à estupidez do inimigo, ele logo se tornou líder do grupo, que cresceu substancialmente. No auge Jacques Lusseyran comandava 600 membros da Resistência Francesa.

Ele era o principal e único responsável por recrutar novos membros para o grupo. Por ser cego as pessoas se sentiam mais confortáveis e se abriam mais, e Jacques, mesmo não sendo nenhum Matt Murdock, aprendeu a ser um excelente juiz de caráter, estudando o tom de voz das pessoas. Sem contar outros superpoderes, como ser capaz de memorizar 1050 números de telefone usados pela Resisência.

Infelizmente em 1943 a sorte acabou, quando um membro, que Jacques já suspeitava ser traíra, traiu o grupo, que foi preso pela Gestapo, e prontamente enviado para o campo de concentração de Buchenwald.

Lá Jacques comeu o pão que o diabo amassou, ou às vezes nem isso, era comum outros prisioneiros roubarem sua comida, que num bom dia consistia em pão e sopa, mas por ser cego os nazistas o poupavam de participar das frentes de trabalho. Não por pena, claro, mas por acharem que ele era inútil.

Você não quer saber.
Jovens prisioneiros em um campo de concentração

Aos poucos Jacques, que era um excelente ouvinte, falava francês e alemão e era ótimo com idiomas se tornou uma espécie de conselheiro dos outros prisioneiros. Nessa época ele passou por uma revelação espiritual, e era uma fonte de otimismo e perseverança mesmo quando não entendia muito bem o que os poloneses estavam falando.

Jacques Lusseyran passou 333 dias em Buchenwald. Era pele e osso quando saiu e nem conseguia se reconhecer no espelho (DSCP). Ele foi um dos sortudos. Dos 2000 membros da resistência presos no campo, somente 30 sobreviveram.

Depois da Guerra Jacques emigrou para os Estados Unidos, aonde se tornou escritor e professor de literatura francesa. E como bom francês, dedicou-se ao amour, casando-se três vezes e tendo quatro filhos.

Jacques, sorrindo em frente a um prédio colonial, vestindo um sobretudo e esfregando as mãos como o Sr Burns.
Jacques, na Universidade Hollins nos EUA

Infelizmente sua felicidade não durou muito. Em 1971, aos 46 anos, Jacques Lusseyran e sua terceira esposa, Marie, morreram em um acidente de carro na França. O mundo perdia um herói, mas o exemplo permanece: Não seja burro como Hitler, nunca subestime uma pessoa por ela ser deficiente.

A melhor forma de manter seu império absolutista fascista ditatorial da Raça Superior é não tratar ninguém como inferior.

Mais detalhes de sua vida Jacques Lusseyran contou em sua autobiografia “And There Was Light“.

Fontes:


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