Douglas Bader, o piloto que chutava bundas, e nem tinha como.

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O dia que começou ruim para Douglas Bader estava prestes a piorar, muito. Voando sem seu fiel ala, ele se desorientou nas manobras e não conseguiu derrubar nenhum dos 12 caças alemães que seu grupo de 4 Spitfires havia atacado. Mirando em outro grupo ele conseguiu um abate, mas quando decidiu voltar pra casa seu caça foi atingido violentamente, a ponto de se partir em dois.

Sem a seção de cauda, o Spitfire girava descontrolado a 640Km/h, caindo como uma pedra. Brigando contras as forças g bader abriu a carlinga, mas não conseguiu sair. Sua perna estava presa nas ferragens. Vendo o chão se aproximar, ele tentou uma manobra desesperada: Abriu o paraquedas. Puxado pela força do ar, sua perna foi arrancada logo acima do joelho mas ao menos ele conseguiu pousar em segurança.

A perna era a menor das preocupações, pois era uma perna mecânica. Na verdade, Douglas Bader tinha duas.

Nascido em 1910, Douglas era jovem demais para lutar na Grande Guerra mas isso não impediu que visse seu pai morrer de ferimentos de combate, em 1917. Ele nunca mostrou propensão a uma carreira militar, ou a qualquer carreira. O padrasto (a mãe se casou assim que enviuvou) era um pastor que não dava bola pra Bader, a mãe também não ligava, ele acabou virando um adolescente revoltado, atirou no irmão com uma arma de chumbinho, e como punição foi mandado para uma escola preparatória, onde canalizou sua violência em esportes e… mais violência, participando de equipes de luta.

Aos 13 anos ele foi introduzido por um tio (epa!) ao mundo da aviação militar, mas embora tenha gostado não cogitou a idéia de se tornar um piloto. As notas não eram grande coisa, mas depois de um esporro e um acompanhamento do diretor da escola, mudaram totalmente. Douglas Bader era extremamente inteligente, só não estava nem aí pra Hora do Brasil, literal e metaforicamente, mais metaforicamente.

O tio insistiu, ele viu que era uma boa e de qualquer jeito gostava de aviões (que garoto de 13 anos não gosta?) e ele acabou fazendo Academia da RAF e Oxford. Como cadete da Força Aérea ele adorava corridas de carros, acrobacias e corridas com aviões, as três coisas proibidas pelo regulamento. Cadetes morriam como moscas por causa dessas gracinhas, e com Douglas (quase) não foi diferente. Em 14 de Dezembro de 1931 ele forçou demais uma manobra acrobática e se esfacelou no chão com o avião. Depois de 4 semanas no hospital, Douglas Bader havia perdido as duas pernas. Ele tinha 21 anos de idade e esse foi o fim de sua carreira de aviador.

OK, foi o que disseram, mas o moleque rebelde jamais aceitaria uma opinião dessas, e usando a tecnologia da época, que não era exatamente a do Tony Stark, arrumou um par de pernas mecânicas e reaprendeu primeiro a andar, e quando se sentiu confortável procurou cursos de aviação civil para reaprender a voar usando as pernas mecânicas para acionar os pedais do leme.

Douglas Bader, antes de seu acidente, fazendo manobras com aviões.

Em 1932 ele fez um teste prático e foi aprovado. Um exame médico o liberou para voar novamente, mas alguns meses depois a Força Aérea mudou de idéia. Douglas ficou puto mas só sobrou continuar voando como civil, até que em 1937 o bicho começou a pegar na Europa e os ingleses já não estavam tão exigentes em termos de pessoal. Ele aporrinhou o Ministro do Ar até conseguir uma posição, mas descobriu que era um posto em terra. Interveio o Vice-Marechal do Ar Halahan, que havia sido comandante de Douglas Bader antes do acidente.

Bader foi submetido -de novo- a todos os testes e exames, e foi aprovado com louvor e a contragosto. A idéia de um piloto sem pernas era ridícula para os envolvidos, e ninguém se preocupou em perguntar a Bader o que ele achava. O grande e praticamente aliado era o Vice-Marechal Halahan, que garantiu pessoalmente a capacidade de Bader.

Em 27 de Novembro de 1939 Douglas Bader fazia seu primeiro vôo solo como Tenente da Força Aérea Real, e como Baden era Banden, depois das manobras básicas ele vez um vôo invertido com seu biplano Avro Tutor. Em Janeiro de 1940 ele já estava voando num Spitfire, e batendo de frente com os superiores. Bader tinha suas próprias idéias de táticas de combate, que eram opostas ao ensinado. Esperto, ele parou de reclamar, fez o que todo mundo esperava dele, e foi sendo promovido.

Claro, na hora do vamos ver ele usava as táticas que achava melhor, o que levou a vários sustos. Muito agressivo, Bader gostava de mergulhar a toda em direção a seus alvos, e quase colidiu com um bombardeiro em uma de suas primeiras missões. Seu estilo era consequência de sua agressividade natural mas também de sua condição de amputado. Sem pernas não havia para onde o sangue ir durante manobras extremas. Em pilotos normais o sangue se acumulava nas pernas e eles perdiam a consciência. Bader não.

Ele Começou a acumular vitórias na Batalha da França, em Dunquerque e na Batalha da Inglaterra, onde chegou a ser quase abatido, pousar, trocar de avião e voltar.

Promovido a líder de esquadrão, coube a Bader resolver o problema de um grupo de canadenses, abalados com a perda de um monte de companheiros. Quando viram o sujeito mancando acharam que tinham sido sacaneados, mas rapidamente ele demonstrou no ar e em terra que estava ali a sério, e os pilotos passaram a adorar seu comandante, principalmente por seu desrespeito à burocracia. O que era preciso pra colocar o esquadrão nos trilhos, ele conseguia, sem papelada.

Em 9 de Agosto de 1941, logo após ter derrubado um alemão Bader colidiu ou foi abatido pelo inimigo, saltando no último segundo ele perdeu uma perna presa no avião, e danificou a outra na queda. Isso explica ter sido capturado pelos nazistas, mas isso não era tão ruim se você fosse Douglas Bader. Sua captura foi comunicada ao General Adolf Galland, que imediatamente requisitou o prisioneiro para “interrogatório”.

Na verdade Galland era fã de Bader, um às não-conformista reconhece outro.

Adolf Galland era um dos últimos pilotos-cavalheiros, voando com honra e elegância. Defendia a arte dos combates aéreos como duelos, não como massacres, e protegia seus pilotos a ponto de brigar com Hermann Göring e Hitler, que não entendiam nada de combate aéreo (que era ruim sendo Göring chefe da Luftwaffe). Galland chegou a ser preso e quase foi acusado de traição durante a Revolta dos Pilotos, quando a elite da Luftwaffe exigiu uma série de mudanças para continuar combatendo.

Após verificar que Bader estava confortável, Galland usou de sua influência para resolver outros problemas do inglês que estava começando a se tornar um amigo e assim o seria por toda a vida. Contatando o Comando Britânico através da Cruz Vermelha, Galland garantiu salvo-conduto e no dia 19 de Agosto um bombardeiro inglês lançou de paraquedas uma caixa contendo uma perna mecânica substituta para Bader.

Em uma atitude bem pouco britânica o bombardeiro depois lançou bombas sobre a base, mas a maior encrenca nem foi essa. Dar pernas novas a Bader se mostrou fonte de muita dor de cabeça. Ainda no hospital da base, ele fez uma clássica corda com lençóis e fugiu, mas foi recapturado quando uma enfermeira traíra entregou aos alemães que ele havia escapado.

Depois disso ele fugiu de todo campo de prisioneiros que era colocado. Em um deles sua fama o prejudicou. Um oficial da Luftwaffe soube que o famoso Douglas Bader estava no Campo 3. Foi até lá para conhecê-lo, mas quando chegou o alojamento estava vazio. Dado o alarme, Bader foi preso. De novo.

Chegaram até a fazer cartazes de procura-se para usar durante suas fugas, sendo que Bader achou hilário quando 20 anos depois ele viu um dos cartazes que dizia que ele “andava bem com uma bengala”.  “Absurdo” disse ele “eu nunca usei bengala”.

Bader só sossegou o facho depois que ameaçaram tirar as pernas mecânicas para que ele parasse de tentar fugir, mas foi só por um tempo. Ele só sossegou mesmo quando foi mandado para o Castelo Colditz, um hotel de luxo transformado em prisão VIP onde ficavam altos oficiais aliados, ministros e políticos de alto escalão de países inimigos, celebridades, etc.

Libertado pelos americanos em 1945, Bader voltou para a Inglaterra, onde soube que seu velho amigo Adolf Galland, junto com outros dois pilotos, Hans-Ulrich Rudel e Günther Rall seriam recebidos como prisioneiros de guerra. Bader fez questão de estar presente, e em uma espécie de equilíbrio cármico, usou de sua influência para conseguir uma perna mecânica para Günther Rall, que também era amputado.

Bader era tosco e pé na porta. Uma vez em um programa na TV alemã homenageando Galland ele passou por um monte de ex-pilotos da Luftwaffe e comentou “Nossa, não sabia que tínhamos deixados tantos de vocês bastardos vivos”. Por outro lado ele era extremamente leal. Depois que os caças ficaram rápidos demais, complexos demais e ele não estava ficando mais novo, Bader deu baixa na Força Aérea e foi trabalhar como executivo da Shell.

Ele recebeu várias ofertas mais lucrativas, mas quando sofreu seu acidente a empresa havia oferecido uma vaga a ele, gesto que Bader nunca esqueceu.

Nesta edição do Essa É Sua Vida britânico, Douglas Bader foi homenageado entre outros por seu velho amigo Adolf Galland, e se há melhor mensagem de integração e humanidade do que isso, eu não sei, mas é bom demais ver uma platéia inglesa aplaudindo um general nazista.

Após se aposentar em 1969, Douglas Bader se dedicou a promover inclusão de deficientes no mercado de trabalho, e é complicado dizer a um sujeito que derrubava nazistas em seu Spitfire sem precisar das pernas que não dá pra empregar um sujeito pra dirigir um bonde por faltar u`a mão.

Por causa de seus esforços sociais Bader foi sagrado Cavalheiro do Império Britânico em 1976, mesmo ano em que parou de voar. Ele recebeu todas as honras e medalhas que poderia, foi visto como exemplo mesmo não sendo o modelo de bom-cidadão que a mídia gostava de vender. Bader era conservador, meio racista, nacionalista e briguento, mas pensando bem ele era um inglês de 76 anos, estranho seria se ele tivesse um tumblr e gênero próprio.

Douglas Bader morreu em 1982, deixando um legado, uma história e amigos de longa data, incluindo Adolf Galland, que compareceu a seu funeral, um gesto digno de um antigo inimigo.

 

 



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