Eduard Boch – O Judeu que Hitler não deixou ninguém judiar

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Nosso causo de hoje envolve dois homens extremamente diferentes, que por causa das maquinações do Destino, acabaram se encontrando, o que resultou em talvez o único geste de humanidade de um dos maiores monstros de todos os tempos, mas a história começa bem antes disso, quando um menino tímido, delicado e com jeito de criado por vó se escondia nas saias da mãe, fugindo do pai.

Alois Hitler

Se você acha Hitler ruim, tem que conhecer Alois Hitler, seu pai. O cara era um verdadeiro nazista. O casamento com Klara Pölzl foi o terceiro, o que já não é bom sinal. Alois e Klara tiveram seis filhos, três dos quais morreram ainda crianças. Alois ainda trouxe dois filhos do casamento anterior, ou seja: Klara cuidava de 5 crianças e o marido.

Alois era metido a comerciante, empreendedor e funcionário público. Quando as coisas iam bem eles se mudavam para Viena, quando os planos de Alois não davam certo, eles voltavam para Braunau am Inn, aonde Adolf nasceu.

Klara Hitler

Adolf era constantemente cobrado pelo pai por boas notas, e Hitler era um bom estudante, mas queria se dedicar a arte, literatura, atividades criativas, e o pai exigia que ele focasse em uma carreira técnica. Quando chegou a época do Segundo Grau, Adolf foi forçado a fazer uma escola técnica, e deixou suas notas definharem para contrariar o pai.

Em 1903 Alois morreu de ataque cardíaco, e Klara deixou Adolf voltar para casa, saindo da escola que odiava. Por algum tempo Hitler viveu em paz, com a mãe.

Baby Hitler

Com a morte de Alois, se Hitler estava feliz por não apanhar tanto, por outro lado a pobreza, que não era estranha à Casa dos Hitler agora era uma ameaça constante. Uma viúva não tinha muitas opções de trabalho na Áustria do começo do Século XX.

Isso se refletia inclusive na área da saúde, pois se o SUS daqui é assim, imagina o da Bavária. (Não sei se Braunau am Inn fica na Bavária, vale a piada)

Para sorte de Hitler, ele podia contar com este cara aqui, Eduard Bloch, um judeu nascido em  Frauenberg em 1872. Ele se formou em medicina pela Universidade de Praga, serviu como médico no Exército e em 1901 deu baixa e montou um consultório em Viena.

O Dr Bloch logo ganhou fama de ser um excelente médico, e seu negócio prosperou, mas ele tinha outra característica: Era profundamente devotado a seus pacientes, independente de terem como pagar a consulta.

Eduard Bloch era comumente visto em sua charrete indo até a casa dos pacientes mais pobres, e cada um pagava como podia. Quando não tinham como, era de graça. Um desses pacientes foi Adolf Hitler, que sofria de amigdalite e problemas de pulmão. Bloch via as condições em que Klara Hitler vivia com a família, e aceitava o que ela tivesse na bolsa, sem reclamar.

Um dia, foi a vez de Klara ficar doente. Adolf estava estudando arte em outra cidade, ela cuidava da casa e dos outros filhos, uma dor no peito começou como um incômodo, foi crescendo, mas sem dinheiro, Klara só procurou o Dr Bloch quando a situação se tornou insuportável e o caso sério. Sério mesmo pelos padrões de hoje: Câncer no seio.

O Dr Bloch identificou um tumor enorme, e encaminhou Klara para a cirurgia, o que não ajudou muito. Hitler voltou correndo quando soube da mãe doente. Ele se mudou para um quarto ao lado do dela, passava as noites acordado cuidando de Klara. Nas palavras do Dr Bloch:

“O amor dele pela mãe era sua característica mais forte. Embora ele não fosse um menino mimado, nunca presenciei uma ligação tão próxima”

Com o fracasso da cirurgia e o câncer se espalhando para outros órgãos, o Dr Bloch apelou pro último recurso, algo que hoje em dia soa como barbárie, Iodofórmio, um desinfetante corrosivo que era aplicado em gazes sobre as feridas da cirurgia, e queimariam aos poucos o câncer. Claro, não funcionava, o tecido externo era destruído, não o interno.

O tratamento era extremamente doloroso, Adolf acompanhava a mãe quando trocavam as bandagens. Sempre que podia o Dr Bloch vinha e aplicava injeções de morfina, aliviando momentaneamente a dor de Klara. Adolf via como a mãe conseguia respirar aliviada após essas sessões.

Em 21 de Dezembro de 1907, o inevitável. Klara Hitler morre. Entre a cirurgia, em Fevereiro e sua morte, dez longos meses de agonia. Conta o Dr Bloch, que compareceu ao funeral de Klara:

“Adolf vestia um terno escuro e uma gravata com um nó frouxo. Seus olhos estavam fixos no chão enquanto suas irmãs discursavam. Então veio sua vez. Ele deu um passo adiante e pegou minha mão. Olhando em meus olhos ele disse: ‘Eu serei grato ao senhor para sempre’. Isso foi tudo. “

Os caminhos dos dois se separaram, mas Hitler continuou a trocar correspondência com o Dr Bloch, mandando cartões postais e perguntando como ele estava, lembrando de sua gratidão

Mesmo enquanto ascendia ao poder e culpava os judeus de todos os males do mundo (além de terem afundado o Titanic) Hitler continuava escrevendo para o Dr Bloch, perguntando sobre a família e a cidade.

Com a promulgação das Leis de Nuremberg, judeus foram proibidos de trabalhar para não-judeus, assim o consultório do Dr Bloch teve sua clientela restrita. Uma visita da Gestapo confiscou suas cartas trocadas com Hitler, mas ele sentiu que talvez a ordem não tivesse vindo de Adolf em pessoa.

Eduard Bloch fez algo que pouquíssimos judeus fariam: Escreveu uma carta a Adolf Hitler, dizendo que estava se sentindo ameaçado. Hitler imediatamente mandou Bloch e a esposa para um campo de concentração.

Nah, mentira. O Führer ficou furioso. Puto nas calças, chamou Martin Borman, o Número Dois do Partido Nazista e mandou que ele PESSOALMENTE providenciasse que nada de ruim acontecesse com os Bloch.

Emily, a esposa de Bloch e Gertrude, a filha do casal.

Imediatamente as visitas da Gestapo pararam, exceto quando algum oficial aparecia para ver se estava tudo bem. No dia-a-dia, tudo mudou. Como a Europa estava em guerra, todo mundo vivia em racionamento, mas judeus tinham um cartão de racionamento especiais, Com um J estampado, que significava que eles recebiam menos e piores alimentos. Os Bloch tinham cartões normais.

As leis de restrição ordenavam o confisco de passaportes de judeus, mas o de Eduard Bloch não só não foi confiscado, como ele ainda tinha prioridade na renovação anual.

Mais de uma vez ele recebeu telefonemas do Chefe de Polícia, garantindo que nada aconteceria com eles, e Bloch teve a única casa de judeu na cidade isenta de ser obrigada a ter uma estrela de Davi amarela na fachada.

Com a maioria da população judia fugindo enquanto podia, em certo momento Eduard Bloch e a esposa eram os últimos judeus em Linz, sua filha havia emigrado para os Estados Unidos, junto com o genro. O genro aliás foi preso, mas uma carta de Bloch para um certo bigodudo resolveu o problema.

Hitler não se envergonhava da amizade com Bloch, ele o chamava de “Judeu Nobre”, e teria dito que “se todos os judeus fossem como Bloch” não existiria o “problema judaico”.

Uma das últimas comunicações entre os dois foi quando Bloch, já cansado da guerra pediu permissão a Hitler para emigrar para os Estados Unidos. Hitler não só deu a permissão, como garantiu a Bloch o direito de vender a casa pelo preço de mercado, ao invés das vendas de “casas judias”, que emigrantes desesperados eram forçados a vender por uma miséria.

Ele também teve permissão de sair do país com o equivalente a US$750, ao invés dos US$460 normais para o resto dos emigrantes. Todos os documentos, vistos, licenças e autorizações foram emitidos em tempo recorde.

Eduard Bloch e a esposa foram morar no Bronx, em NY, mas antes ele foi devidamente interrogado pelos serviços de Inteligência americanos, que queriam saber tudo sobre aquele estranho caso de amizade entre Hitler e um médico judeu.

Eles saíram decepcionados. Bloch pintou um quadro de um menino basicamente normal, que amava profundamente a mãe, e nunca mais foi o mesmo depois de sua morte; ele disse que ela se horrorizaria ao ver no que o filho havia se tornado, mas não havia nada de patológico na relação entre os dois.

Bloch não era, obviamente, simpatizante do nazismo ou de Hitler, ele apenas em um momento de desespero se lembrou de uma promessa de um jovem que havia perdido tudo de importante na vida, e confiou que ainda restava, dentro daquele monstro, um pouco da sincera gratidão que ele havia visto nos olhos de Adolf, durante o enterro.

Sem poder clinicar, e já em idade avançada, Eduard Bloch passou os últimos anos em NY, até morrer de um câncer de estômago em 1º de Junho de 1945. Exatamente um mês antes seu paciente mais famoso metia uma bala na cabeça em um bunker em Berlim.

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