Existe um velho truque entre autores, a clássica crônica sobre a falta de assunto. Você enrola, enrola, enrola, explica que não tem nenhum assunto para escrever, como isso é complicado, como tentou vários temas, bota uma ou duas piadinhas e pronto, a crônica da semana tá feita.
Embora pareça muito, este texto não é isso.
Os leitores mais atentos devem perceber que não estou conseguindo produzir como antes, e por um tempo achei que fosse por causa de bloqueio criativo, mas sendo honesto, isso não existe, é um mito, como Atlântida e o orgasmo feminino 😉
Se um texto não está saindo, você troca de texto, ou troca a parte do texto, é perfeitamente possível trabalhar em vários textos ao mesmo tempo. E claro, óbvio que tem dia que o autor não está com vontade de pegar um tema específico. É trabalhoso escrever textos especialmente otimistas em dias de cinismo exacerbado, mas sempre sai algo, nem que seja a famigerada crônica de falta de assunto.
De todos os textos que não escrevi, basicamente nenhum foi por bloqueio criativo, mas curiosamente, poucos foram por pura procrastinação. Não dá nem pra culpar alcoolismo altamente funcional. Tem umas três semanas que meu bar está fechado pra obras, nessas três semanas bebi um dia, e nunca produzi tão pouco.
A explicação está na minha 4ª Gaveta.
Ela está cheia de microfones, sport cameras, mini-tripés, cabos, iluminadores, headsets, parafusos, adaptadores, pilhas e carregadores de pilha, a lista é imensa. No PC tenho Premiere, Blender, Photoshop, Notepad e vários outros programas que também não sei usar direito.
No OneDrive, toneladas de roteiros que colocam Cosmos no Chinelo, no quadro-branco (antes que me acusem de racismo por não ter quadro-negro, eles na verdade são verdes) estruturas de produção para trabalhar os textos em vídeos completos para YouTube, e versões formatadas para Instagram e Facebook.
Num cantinho, organograma de produção do Podcast. Sim, eu ainda pretendo lançar o meu podcast, mesmo com o conceito tendo evoluído pra (thanks Jonny Ken) “vídeo de entrevista no YouTube”.
Então, se tenho os planos (e eu adoro quando um plano dá certo), tenho a capacidade de escrever e tenho os temas, centenas de temas e idéias de artigos, cadê a produção, produção?
Em um raro momento de reflexão, resolvi matar esse mistério, antes que o mistério matasse o Contraditorium, e a culpa no final não era minha, era da Internet!
Fora as bobagens, os imitadores de focas, a militância desvairada e os tiktokers, há muito conteúdo de qualidade online. Enquanto o History Channel se resume a passar os mesmos três episódios de Trato Feito durante 6 meses, ou mais um episódio daquela ilha maldita e seu tesouro imaginário, no YouTube temos documentários de linguística, teologia, história, física, diários de viagens, manufatura, tudo. Uma fração razoável do conhecimento acumulado da Humanidade está lá.
O problema não é que eu gosto de consumir esse conhecimento, nem que eu -ok, admito- procrastino um pouco para consumir esse conteúdo. O problema é que esses canais me acostumaram a um nível de qualidade acima do normal.
Eu, em minha infinita arrogância, tratava o trabalho de gente que levou anos pra chegar onde chegou como o mínimo aceitável para meu conteúdo. É como se eu resolvesse montar um blog de contos e não postasse nada inferior a Ray Bradbury, Chekov ou Conan Doyle.
Internamente eu não me sentia deprimido, a situação não me botava pra baixo, pelo contrário, eu imaginava um monte de projetos cada vez mais legais, e com isso, mais difíceis de produzir. Sem perceber eu me tornei um de meus heróis, o Capitão Dissilusion, que produz vídeos absolutamente fantásticos…
…com cada vez menos assiduidade. Às vezes são três meses sem um único vídeo. Eles são magníficos, mas o canal não cresce. Ele consegue se manter, com mais de dois milhões de assinantes, mas eu não tenho esse luxo, não posso desaparecer antes de atingir massa crítica.
Existe um ditado que diz que o ótimo é inimigo do bom. Outros dizem que o perfeito é inimigo do ótimo. É verdade, e existe uma imensa diferença entre o “bom” e o “bom o bastante”. Meu medo era cair no “bom o bastante”, o terrível modo “faz qualquer merda que tá bom”, só pra bater cartão.
O que eu descobri é que todo texto que fiz e não gostei, achando que tinha saído “bom o bastante”, foi elogiado pelos leitores. Talvez, apenas talvez meus padrões estejam errados, e que meu material normal seja mais que suficiente pro leitor.
A percepção disso bateu forte quando eu descobri que fora Scott Manley, Everyday Astronaut, Filmmaker IQ, Forgotten Weapons, Best Ever Food Review Show, Aviões e Músicas e vários outros canais com altíssimos valores de produção, eu estava enamorado pelo canal de um japa que era a antítese disso tudo.
O Solo Travel Japan é de um carinha que viaja pelo Japão (d’Oh) primariamente via Ferry Boat, e o canal não tem rigorosamente nada. Não tem narração, não tem cortes elaborados, não tem efeitos visuais, aberturas sofisticadas.
Não tem trilha sonora, não tem toneladas de mendicância online pedido likes e subscribes. A gente sequer vê a cara do sujeito. Ele se resume a mostrar os detalhes da viagem, mostrar a experiência, sem ufanismo, sem intervenções histriônicas.
Essa vibe é tudo de bom, eu entendi que não preciso produzir um documentário digno do Spielberg, para ser digno do meu canal. Não preciso escrever um artigo digno de um Peabody (Pulitzer é coisa de pobre) para postar no blog.
É claro que materiais mais elaborados podem e devem ser produzidos, como os textos do livro que sairá antes do final do ano (juro!). Céus, eu tenho filmagens no Museu Naval, duas visitas ao Museu Aeroespacial, e nunca fiz nada com esse material, por achar que se não fosse algo digno do, sei lá, George Miller, todo mundo acharia uma merda.
Eu cavei o próprio poço em que me afundei, agora é criar vergonha na cara, e nadar pra fora, ainda há muitas histórias para contar, lugares para conhecer e coisas a aprender.
Pela atenção, obrigado.