Um pequeno desbafo sobre tempos modernos e jovens lentinhos

Um pequeno desbafo sobre tempos modernos e jovens lentinhos

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Uns anos atrás eu fui convidado para cobrir o II EWCLiPo – Encontro de Weblogs Científicos em Língua Portuguesa. Ei, eles são cientistas, não marketeiros, releve o nome.

Foi um evento fantástico, gente de todas as áreas da Ciência, altos networkings, tive a honra de conhecer e conversar com a Suzana Herculano, e tudo com zero síndrome de impostor, eu tinha a certeza de que era a pessoa mais burra naquela sala. Se bem que tenho essa sensação quando estou almoçando sozinho também.

Na van da volta no meio do bate-papo eu comentei que a Globo deveria reprisar Cosmos, as novas gerações precisavam assistir à obra-prima de Carl Sagan. (sim, isso foi bem antes da novar versão, com aquele cientista negro famoso)

Alguém, não lembro se o Carlos Hotta ou o Átila discordou. Segundo ele o ritmo de Cosmos era lento demais para a juventude atual, que consumia conteúdo de forma muito mais ágil. E é verdade.

Basta comparar os desenhos de antigamente. Mesmo os mais desenfreados, como o Pica-Pau, tinham diálogos longos, narração, cenários simples e cenas pausadas. Hoje os desenhos para crianças têm cenas curtas, com muitos cortes.

Para comprovar isso, eu usei um script em Python para detectar mudanças de cena em um episódio de Teen Titans Go (adoro aqueles retardados) e no clássico episódio do Pica-Pau, das cataratas do Niágara.

O episódio dos Teen Titans foi encurtado para ter os mesmos 6’11” de duração do Pica-Pau. O software foi configurado para entender por mudança de cena mesmo cortes na mesma cena. A diferença entre os dois é gritante!

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Descobri uma das muitas provas disso recentemente.

Para escrever meus excelentes textos eu consumo muito conteúdo. Às vezes impresso, mas muita coisa da Segunda Guerra eu aprendo em velhos filmes e documentários. Para ganhar tempo, faço algo que odeio, mas descobri ser normal pra geração que escuta podcasts de 8h de duração: Passo o vídeo acelerado.

Os documentários mais antigos, dos anos 60 e 70, eu consigo assistir a uma velocidade de 1.7x, às vezes 1.8x mais rápida. Os narradores falavam mais devagar, os veteranos naturalmente falam mais devagar. As cenas são longas, dá pra compreender bem.

Já os documentários mais modernos, dos anos 90 ou mais recentes, como a excelente série da BBC “Digging for Britain”, com a Dra Alice Roberts, se torna impossível de assistir acima de 1.25x. A edição é muito mais dinâmica, e todo mundo fala… em velocidade normal.

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Nice…

Era da Desatenção

Nas redes sociais vemos o sucesso do Twitter, com sua limitação de mensagens curtas, comparado aos blogs, que todo mundo diz não ter tempo pra ler. Mesmo o vídeo, bem mais ágil que antigamente, deu lugar aos famigerados reels, vídeos curtos, verticais, em geral sem contexto e que são geralmente cortados por bots de vídeos maiores, postados incompletos e sem-sentido. Adianta reclamar? Não, as pessoas apenas deslizam para o próximo.

O YouTube adotou reels como uma alternativa para tentar atrair o público que não tem paciência para vídeos de mais de dez minutos, que curiosamente são os mais monetizáveis.

Essa síndrome universal de déficit de atenção faz com que o Jovem™ não consiga consumir conteúdo longo, e ele leva isso pra todas as partes da vida. O jovem moderno é extremamente ansioso e impaciente. Todo dia Elon Musk e a SpaceX são xingados por “não fazerem nada”, o Jovem™ quer ver o lançamento da Starship de qualquer jeito.

O que esse jovem não entende é que estamos acompanhando o desenvolvimento de um novo e revolucionário foguete, ao vivo, literalmente. O NASASpaceflight tem câmera acompanhando a base da SpaceX em Boca Chica, Texas, dá pra assistir cada passo da construção do foguete.

Imagine esse jovem tendo que esperar dez anos pro Programa Apollo chegar na Lua, e somente acompanhar lançamos nos telejornais.

O Problema da Multitarefa

Nos velhos tempos trabalhar no computador significava fazer uma coisa de cada vez. Mesmo com os programas que conseguiam ficar na memória ao mesmo tempo, ou era um, ou outro. Programas em janelas só apareceram com o Windows, e ainda assim com o 2.0, o 1.0 rodava tudo em tela cheia.

Havia realmente bem menos distrações, a gente não tinha celular pra ficar futucando, vídeo do youtube rolando e redes sociais pipocando na tela. Neste momento estou com a TV passando um lançamento da SpaceX, a janela do Word no meio da tela, o Twitter em um canto e o Telegram no outro, além do celular ao alcance da mão. E um número obsceno de abas abertas no Chrome. Algumas obscenas, afinal ninguém é de ferro.

Isso é a norma para o Jovem moderno, mas parece não estar funcionando. Eu percebi que embora a multitarefa seja natural ao jovem, ele não se dá bem com ela, inventam até transtornos psiquiátricos para justificar a incapacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Eu não nasci na multitarefa, ela que nasceu comigo. Eu a vi surgir, acompanhei seus passos, quando ela se tornou poderosa, eu já estava pronto pra ela. O Jovem™ caiu de pára-quedas, e não sabe como nadar nesse tsunami de informação.

Calma que piora

Faz tempo que vivemos a Era Kibeloco no humor, onde a piada precisa ser explicada, a punchline precisa ser apontada com setinhas ou círculos vermelhos, e qualquer jogo de palavras, qualquer duplo-sentido se perde. Pode reparar, o jovem não conta mais piadas, as tirinhas são banais, não exigem nada do leitor, levando-o pela mão até a parte “engraçada”, e por engraçada entenda óbvia.

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Na dramaturgia sumiu toda a sutileza, o texto inteligente que deixa ao espectador parte do trabalho de juntar as pontas e fechar a história. Se um personagem não falar que é gay, ele pode mergulhar numa piscina de Ex-Menudos cantando YMCA e o jovem não vai entender.

Também não há mais espaço para metáforas. Você é o que você é, e isso precisa ser dito explicitamente. O que não é surpresa, visto que, conforme publicado na fatídica matéria do UOL:

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“apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar são consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números. Ou seja, oito a cada grupo de cem indivíduos da população.”

Se isso não é assustador, não sei mais o que é.

Estamos vivendo uma era onde o jovem tem acesso a mais informação do que jamais tivemos na História da Humanidade, mas não consegue assimilá-la, muito menos sabe o que fazer com ela, exceto problematizar Friends. Isso gera uma dificuldade de comunicação muito grande, mesmo entre morlocks iletrados que se comunicam por emojis.

E sem saber se comunicar, sem conseguir expressar suas idéias, pensamentos e intenções, você não chega a lugar nenhum, e nem o ChatGPT vai te ajudar, pois ele precisa entender o que você quer que ele faça.

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Um de meus passatempos é ver vídeos de reações de jovens assistindo filmes clássicos. Mesmo com tudo explicado nos filmes, os jovens ficam fazendo perguntas e mais perguntas. Teve uma que assistiu Dr Fantástico e não percebeu que o Peter Sellers fazia vários personagens. Outra assistiu Wargames e achou que os russos estavam realmente atacando.

Essa síndrome generalizada de falta de atenção vai morder o jovem na bunda, coisas vão explodir, viadutos vão cair e foguetes vão explodir, se o Jovem™ não for contido.

Ainda há tempo para reverter isso, ao menos individualmente. Jovem, LEIA. LEIA MUITO. Compre um Amazon Kindle, assine o Kindle Unlimited para ter acesso a mais de um milhão de livros, e expanda sua mente e seu vocabulário. Saia de sua bolha, pare de repetir argumentos decorados, aprenda sutileza e linguagem elaborada.

Em um futuro aonde a IA escreve e entende texto melhor do que quase todo mundo, a única estratégia vencedora é não ser quase todo mundo.

Aos pais, a dica da Fernanda Lizardo:

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