Ele enfrentou os nazistas no peito e na raça

Ele enfrentou os nazistas no peito e na raça

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Era janeiro de 1943. O Booker T Washington tentava acompanhar o comboio, composto na maioria de navios Liberty como ele mesmo. Nada de especial, uma categoria de navios produzidos em escala industrial, para manter o tráfego comercial que abastecia a Inglaterra e os Aliados.

Feitos para durar pouco e custar barato, a produção chegou a tal ponto que no seu auge os estaleiros entregavam um navio por dia. O que era essencial, dos 2710 construídos, centenas foram perdidos para os submarinos nazistas, mas o que preocupava o Booker T Washington no momento era a tempestade.

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Marian Anderson, famosa cantora de õpera, batizando o Booker T Washington

Era sua primeira travessia, levando preciosos 75 caças para o outro lado do Atlântico, mas o vento, chuva e ondas fizeram com que o Washington se afastasse do comboio.

Com velocidade máxima de 11 nós, ou 21km/h, ele não tinha condição de alcançar o grupo, muito menos fugir de submarinos alemães. Caso fosse detectado seu único armamento era um canhão de 4 polegadas, que dependia da cooperação do inimigo em emergir e ficar parado para os marinheiros civis e inexperientes em combate terem chance de acertá-lo.

Por volta de 3:30AM, as ondas se intensificaram e vários dos caixotes de carga se soltaram. O navio inclinou em um ângulo de 6 graus, com a carga fora de posição, e a tripulação de 81 homens lutou para manter o Booker T Washington na superfície.

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Um comboio se preparando para partir

Sem contato por vários dias, o resto do comboio presumiu o pior: O Booker T Washington teria afundado com a tempestade ou encontrado submarinos inimigos.

No navio, o capitão teve que usar de toda sua sagacidade para recalcular sua rota, fugindo dos pontos mais comuns de ataque dos alemães, e depois de 11 dias, para surpresa de todo mundo o Booker T Washington aparece no rádio, avisando que está se aproximando de Belfast.

Enfrentando o Atlântico em seu pior, a viagem inaugural do navio havia sido um sucesso, para tristeza de uma boa quantidade de haters, pois se o Booker T Washington não tinha nada de especial em termos de hardware, ele havia sido o primeiro navio de grande porte batizado com o nome de um negro, e para completar, seu capitão também era negro, o primeiro a ganhar o comando de um navio na Marinha Mercante dos EUA.

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Capitão Hugh Mulzac

Hugh Mulzac nasceu em 1886 no que hoje é o Caribe. Sua família era toda ligada ao mar, desde a origem, quando um escravo de um barco francês afundado foi dar (epa!) na Martinica, em 1687.

Os Mulzacs construíam escunas e baleeiros, e Hugh sabia que o mar era seu destino, e assim que terminou a escola, começou a servir em escunas inglesas, chamando atenção dos oficiais. Logo Hugh foi mandado para o Colégio Náutico Swansea, em Gales, onde conseguiu sua Habilitação de Capitão de Mar e Rios, que o tornava qualificado para comandar navios.

Durante a Primeira Guerra Mundial ele foi segundo em comando em um navio mercante americano, o que lhe deu direito a Cidadania. De posse do benefício, em 1918 ele emigrou para os Estados Unidos, e em 1920 já tinha passado na recertificação de sua licença, ganhando o direito de comandar navios nos EUA.

Em contato com a Associação Universal de Melhoramento do Negro (UNIA), Hugh acabou se associando com a Black Star Line, uma empresa de navegação composta só de negros, e voltada para as necessidades do segmento. Até 1921 ele comandou o cargueiro a carvão SS Yarmouth, mas abandonou o posto por divergências com os donos da empresa.

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SS Yarmouth

Em casa, dando F5 direto no LinkedIn, Hugh Mulzac percebeu que ser negro nos EUA não era o mesmo que ser negro na Inglaterra ou nas Índias Ocidentais. Mesmo tendo seu certificado, nenhuma empresa tinha vaga de Capitão, ou mesmo oficial para um negro. As marinhas civil e mercante eram extremamente racistas e segregadas.

Mulzac acabou tendo que aceitar empregos como taifeiro e cozinheiro, bem antes do Steven Seagal tornar o cargo coisa de prestígio. Por duas décadas, Hugh se virou como pôde, sendo extremamente qualificado, mas sem nenhuma chance de mostrar seu talento.

Eis que um pintor austríaco resolve conquistar o mundo, e depois de muitos navios afundados e necessidade de oficiais para repor os perdidos, a Marinha dos EUA resolve raspar o fundo do barril (não aquele) e relaxar as regras de segregação racial.

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No fundo do barril, esperando uma chance, Hugh Mulzac. Ele é chamado e explicam que ele irá comandar o Booker Taliaferro Washington, navio batizado em honra a um famoso educador, orador, autor e conselheiro de vários Presidentes dos EUA. Com um detalhe: O navio teria uma tripulação 100% negra.

Hugh subiu nas tamancas. Nessa altura ele já estava se manifestando ativamente contra segregação racial e racismo, ele sentia na pele como a político de “divididos, mas iguais” não funcionava. Um navio somente de negros não promoveria igualdade racial. Educadamente ele recusou a oferta.

“Agradeço sua boa vontade e sua oferta, mas seria, na minha opinião, errado, pois seria um navio Jim Crow.

É contra isso que estamos lutando. E para eu emprestar meu nome para tal projeto seria errado.”

Depois do obrigado, mas não obrigado, Hugh foi cuidar da própria vida, mas vendo que a coisa estava preta (no bom sentido) a Marinha aceitou os termos, e fora o segundo e o terceiro oficiais e o engenheiro chefe, os outros oficiais eram brancos. Entre a tripulação, gente de 18 nacionalidades.

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Capitão Mulzac e seus oficiais.

Hugh Mulzac comandava uma tripulação diversa e integrada, isso foi essencial para salvar o navio durante a tempestade. Não havia o ressentimento normal entre praças e oficiais, e todos olhavam o Capitão e viam que era igual a eles: Um Marinheiro.

Ao final da viagem inaugural, todos fizeram uma vaquinha para presentear o Capitão Hugh Mulzac com um relógio de ouro. Depois disso o Booker T Washington continuou cruzando o Atlântico, foram 22 travessias, onde transportou dezenas de milhares de toneladas de carga e mais de 18 mil soldados, sem perder ninguém para o Inimigo.

Ao fim da Guerra Hugh Mulzac e a tripulação do Booker foram recebidos como heróis e-nah, você sabe como funciona. Em 1947 a empresa dona do navio descomissionou a embarcação e demitiu todo mundo. Hugh tentou processar a empresa, perdeu. Tentou se candidatar pelo Partido Trabalhista, perdeu. Suas ligações com grupos de esquerda não pegaram bem no auge do Macarthismo, e perdeu sua licença de capitão.

Ele sobreviveu como pintor (sem tentar conquistar a Europa) e somente em 1960 conseguiu que um Juiz restaurasse sua licença de capitão, mas o único emprego que ele conseguiu foi de Oficial da Noite, que soa como algo envolvendo sacanagem, mas era basicamente um posto onde o sujeito tomava conta dos navios atracados no porto enquanto os oficiais passavam a noite na rua, ou em suas casas.

Não muito tempo depois, em 30 de janeiro de 1971 Hugh Mulzac morria aos 84 anos. Era o fim da vida do primeiro Capitão Negro da Marinha Mercante, e mesmo assim ele só conseguiu o posto aos 56 anos.

Seu país de origem, São Vicente e Granadinas, o homenageou batizando um navio de patrulha oceânica como Captain Hugh Mulzac.

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Fontes:

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