Truque Infalível para Conquistar Público: Trapaceie

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Existe uma técnica usada por muitos cineastas para conseguir que os espectadores de uma platéia imparciais se tornem verdadeiros cúmplices dos filmes, julgando-os pelas mais rosadas luzes, perdoando seus defeitos e defendendo-os diante de qualquer crítica.

Essa técnica incrivelmente simples quando bem-sucedida garante lealdade eterna. Qual o truque? Criar um elo com o espectador, não no sentido de fazê-lo parte da equipe de criação do filme, mas demonstrar que o diretor tem muito em comum, gosta das mesmas coisas que o espectador.
Ao colocar uma referência relativamente obscura para a maioria da platéia, sabendo que atingirá ainda um percentual razoável do público, o diretor não necessariamente aliena a maioria (as boas referências são sempre sutis, nunca em primeiro plano) e cria um clima de cumplicidade com os que “pescam” a referência.

Por mais que se brinque que rir sozinho no cinema é constrangedor, na verdade é excelente, a sensação de intimidade é incrível, a impressão que temos é que todos ali são meros coadjuvantes, e que aquela referência foi colocada única e exclusivamente para nós, por um diretor que também preza aquela pequena peça de cultura pop o bastante para incluí-la em um filme.

Não podemos confundir as referências com preciosismos históricos, como os tapetes do Titanic de James Cameron serem feitos pela mesma empresa que fez os tapetes do Titanic original, ou com cameos, aquelas aparições de astros ou personalidades em apenas uma cena, muitas vezes sem diálogo.

Hitchcock fazia isso em seus filmes, Stan Lee também aparece em todos os filmes de heróis da Marvel. É uma referência autocontida. Não é o tipo que estamos interessados.

As referências e pequenas homenagens não necessariamente fazem partes somente de filmes que dependem delas para seu sucesso. A maioria dos filmes bons também faz uso delas.

Em Senhor dos Anéis – As Duas Torres, quando Legolas atira o escudo, sobe nele e desce como um skate, a trilha sonora muda para dois ou três acordes do tema de De Volta para o Futuro.

Em Fuga das Galinhas Ginger e Rocco escapam da Máquina de Tortas no melhor estilo Indiana Jones, a engrenagem perseguindo-os ao fundo é recriação direta da cena de abertura do Caçadores da Arca Perdida, quando saem da máquina, com a porta quase fechando, o chapéu dela cai. Ela estica a mão e o pega, outra referência direta.

Em Noite Alucinante as palavras que invocam o demônio no livro maligno são “Klaatu Barada Niktu”, as mesmas palavras usadas para ativar o robô no clássico “O Dia em que a Terra Parou”. Doom, o filme, tem um Dr Carmack (referência direta a John Carmack, programador original e fundador da ID Software).

A cumplicidade gerada por uma referência bem-colocada acaba com toda a objetividade do espectador, ele se torna parcial, ao se descobrir parte de um grupo especial, onde poucos, além do cineasta, adentram. A relação é inversamente proporcional ao número de pessoas que pescam a referência. Rir com todo mundo não é tão bom quanto rir sozinho, sabendo que há algo engraçado na cena.

Isso funciona em outras mídias também. Meus textos são cheios de referências, e é um prazer quando alguém saca alguma de primeira. Pode ser uma frase de um desenho, anões besuntados, cenas de filmes, trechos de livros, qualquer coisa.

No “Liga dos Cavalheiros Extraordinários”, quando o grupo vai entrar no automóvel do Capitão Nemo, são apresentados ao Imediato, que cumprimenta a todos.

“Call me Ishmael”

O idiota que vos escreve riu sozinho no cinema. Essa é a frase de abertura de Moby Dick.

Nossa cultura literária e cinematográfica não faz muito uso desse tipo de recurso, o que é uma pena. Já a nova geração, que está acostumada com esse tipo de linguagem, e adorou o episódio de Dexter com a temática Speed Racer, não só aceita como incentiva o uso de referências. O desenho do Fudêncio, na MTV, segue essa linha, e embora irregular consegue alguns momentos de humor negro / referencial excelentes.

Isso pode ser aplicado aos blogs?

Claro, e muito bem. Já vi muitos textos, inclusive sérios, apinhados de referências. O estilo referencial me agrada, pois você pode passar dois pelo preço de um. O usuário normal recebe um bom texto, enquanto o usuário antenado com cultura pop recebe um bom texto entrelaçado com um joguinho de “pesque a citação”.

Isso imediatamente coloca o racional fora da jogada. E mesmo quem conhece o truque, é afetado.

Uma vez eu estava acompanhando um técnico ser descascado, quando reparei no chaveiro do sujeito, o emblema da Frota Estelar. Como bom trekker, reconheci na hora. Ao lado do diretor que descascava o sujeito, ergui a mão na saudação vulcana. Ele imediatamente parou a explicação e soltou um “vida longa e próspera para você também, irmão”.

Eu virei para o diretor e disse: “Deixe que a gente resolve daqui”.

Fui parcial? Totalmente, mas confiei (corretamente) que por ser um trekker, o sujeito era mais inteligente e dedicado do que a média dos trocadores de placas, que são o grosso dos “Técnicos de Computador”.

Quando um blog usa uma referência obscura a um filme, um livro ou um personagem, e eu reconheço, minha visão do mesmo fica distorcida, meu julgamento é muito mais condescendente, pois sei que ao menos um ponto eu tenho em comum com aquele autor.

Isso, entretanto, não deve (e não pode) ser falsificado. Referências a algo que o autor não está familiarizado vão imediatamente saltar como sapos epiléticos com overdose de anfetaminas.

Nunca tente mentir familiaridade com um tema, nem em blogs nem fora da Matrix. Você soará ridículo.

Uma vez descobri que uma menina gostava de Cantando na Chuva. Eu adorei, conversamos horas sobre o filme, um de meus preferidos. Já quando ela começou a falar de Nirvana, pensei em pesquisar na Internet algo sobre eles, mas me contive. Era claro que eu não tinha a menor familiaridade com o tema, e minha única observação original, “prefiro o Kurt Cobain agora” não ajudaria muito.

Ninguém vai te crucificar por não estar familiarizado com algo, mas vão te pregar rapidinho, se você fingir. Considere as referências como o orgasmo dos blogs. Se é real é excelente, dura alguns segundos mas contará muitos pontos a seu favor. Se é falso, você fica com cara de pateta e só conseguirá ser assunto nos banheiros. E as mulheres voltarão passando por você dando risinhos. Apontando. E o único torpedo que você receberá terá o telefone do CVV.

Por outro lado você pode tornar seus posts mais ricos, escrevendo de forma mais pessoal, divertindo-se com referências que serão ou não pescadas, mas que manterão um excelente potencial.

Isso funciona?

Só posso dizer uma coisa: Obrigado, Gene Kelly!


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