Um dos mantras das mídias sociais é que com elas uma empresa pode ouvir seus consumidores. Sim, como se isso fosse algo mágico e estratégico. Não é. A relação empresa/consumidor funciona se for no estilo médico/paciente: Nenhum médico pergunta “O quê você tem?” nem gosta de fãs de House que já entram com uma série de diagnósticos impressos do site do Drauzio Varella, procurando apenas uma confirmação.
Médico que aceita paciente que já chega com diagnóstico e empresa que “escuta o que os consumidores querem” tendem a ver o fruto de seu trabalho ir pro cemitério.
Você tem que estudar os sintomas, duvidar das informações passadas (todo mundo mente) e confimar nos exames (no caso pesquisas, pra quem não assimilou a metáfora ainda). O paciente/consumidor tem que dizer onde dói. Como, porquê, o tratamento, quem decide é o médico.
“Oh, calúnia, arrogância, como pode?”
Sorry, eu sei que somos todos lindos e inteligentes e que nosso input é altamente valorizado, mas o consumidor muito, muito, muito raramente tem a visão global do business. Ele tende a uma visão de túnel e avalia tudo de SEU ponto de vista imediato. NÃO está errado. EU não quero saber das consequências a longo prazo para a economia chinesa da compra do meu (futuro) iPad. EU não quero saber se o iPhone ou o HTC Sdruvs ganharam 5000 prêmios de design e jesus cristo gravou um comercial dizendo que usa, EU não gosto de teclado virtual. 90% dos consumidores gostam? Vende pra eles.
A diferença é que eu sei que o que não serve pra mim PODE servir pra outro, o truque é ter visão para enxergar o POTENCIAL dos produtos, e a maioria dos consumidores não tem. Duvida? Veja algumas manifestações de fãs da Apple, inteligentes, consumidores fiéis e nada leigos, quando do lançamento do iPod, APENAS a maior revolução na História da Música Digital:
“iPoop… iCry. Eu esperava por algo a mais.”
“Grande, justo o que o mundo precisa, outro maldito player de MP3. Vai Steve, cadê o Newton?”
“Hey, algumas idéias, Apple: Ao invés de entrar no mundo dos brinquedos e gadgets, que tal gastar um pouco de tempo resolvendo sua pateticamente cara linha de servidores? Ou vocês realmente querem se tornar uma glorificada empresa de gadgets de consumo?”
“US$400 por um MP3 Player!”
“Eu chamaria de Cube 2.0 e não vai vender, será morto em pouco tempo, e não é realmente funcional”
“Todo esse hype em torno de um MP3 Player? Dispositivo Digital Revolucionário? O campo de distorção da realidade está distorcendo a mente do Steve se ele pensa por um segundo que essa coisa vai decolar”
“Esse iPod é para garotos ricos mimados com pais insanos ou fãs da Apple fanáticos como Talibãs. Ele tem boas caracteristicas mas esqueça comprar um por US$399!!! Nunca, quem comprar essa coisa é uma pessoa muito estúpida!”
“Steve Jobs está sob efeito de uma consultoria terrível ou muita maconha. A proposta não é realista. Se a Apple fizer algo assim de novo, vai falir”
“Escolha ruim. O produto está fora da competência da Apple – dispositivos de computação – Quando a maioria pedia por um PDA, eles lançam um Player de MP3”
Esses e outros comentários podem ser lidos nesta thread de 2001 no site MacRumors, onde o iPod tem uma vergonhosa recepção de 173 comentários negativos contra 133 positivos.
Comentários como os do iPod não são novidade. TODO lançamento traz junto uma série de especialistas E leigos anunciando o fracasso. Este sujeito aqui compara o iPhone a um fracasso do nível de Ishtar e Waterworld, o Register vai atrás. Hoje o iPad com 2 milhões de unidades vendidas em menos de 2 meses AINDA é anunciado como fracasso, mesmo pelo pessoal que JUROU que ele não venderia nada em seu lançamento.
O privilégio não é só da Apple, claro. O Google está cheio de artigos e opiniões prevendo o fracasso do Android. Ubuntu? Vai fracassar também, claro.
Agora coloque-se no lugar de um “analista de mídias sociais” ganhando seu salário de estagiário, xingando muito no Twitter e tendo que efetivamente ANALISAR uma situação. Se o sujeito não tiver uma visão de Mercado MUITO ampla vai se apavorar. Nove entre Dez “analistas” recomendariam que a Apple cancelasse imediatamente “esse tal de iPod”, afinal o feedback foi completamente negativo.
Henry Ford dizia que se fosse ouvir os consumidores eles diriam que
queriam cavalos mais rápidos, não automóveis. As mídias sociais são um grande estábulo, onde as cavalgaduras relincham mais alto, enchem o chão de esterco e as poucas e raras opiniões pensadas se perdem no meio da bosta.
Estudar o posicionamento de uma marca em mídias sociais é algo complexo. É preciso eliminar os haters, os trolls, os babacas, os consumidores legítimos sem visão e então só então começar a entender os dados. O perigo é jogar fora a água do banho junto com o bebê (eu sei que é o contrário mas odeio bebês). Um erro no filtro e acabamos eliminando críticas legítimas, uma pequena perda de perspectiva e estamos manipulando os resultados para corroborar nossa opinião pessoal.
Aí todo o trabalho de mídias sociais, sabedoria das massas, crowdwhatever vai pras cucuias.