Ontem o Colbert Report, programa de humor jornalístico (não confundir com CQC) apresentado pelo comediante Stephen Colbert levou ao ar o primeiro de 3 programas especiais, com a platéia composta de militares recém-chegados do Iraque. No começo do programa ele exaltou os soldados, explicou que para recebê-los estava com um monte de brindes e produtos que eles não tinham quando em combate, como cerveja de verdade e… cachorro-quente. Estava inclusive com uma barraquinha de hotdogs no cenário.
O sujeito da imagem acima, distribuindo cachorro quente para os soldados é nada menos que Joe Biden, Vice-Presidente dos Estados Unidos da América.
Isso mesmo. Um comediante que por mais liberal que seja critica constantemente o Governo conseguiu que o segundo homem mais poderoso do planeta não só fosse em seu programa como ainda topasse participar de uma brincadeira.
Não é a primeira que o Colbert arma. Ano passado ele levou metade da equipe para o Iraque, fez uma semana de programas direto de um dos palácios de Saddam Hussein. Entre diversas entrevistas ele falou com gente do nível do General Ray Odierno, supremo comandante das tropas aliadas no Golfo. Durante a entrevista comentaram da “prova de respeito” que visitantes costumam demonstrar para com os soldados, que é cortar o cabelo com máquina zero. Colbert brinca, diz que o General não pode passar a máquina pois ele, Colbert só responde ao Presidente.
Nessa hora um link de vídeo é aberto e nada menos que Barack Obama, Presidente dos EUA aparece, saúda os soldados e diz para Colbert que está acompanhando a discussão.
“Sr Presidente, seus satélites são tão bons assim?” ao que Obama responde: “Não, mas minhas orelhas são tão grandes assim”. Em seguida dá a ordem como comandante geral das tropas, para que o General passe a máquina no Colbert. A cena é fantástica:
The Colbert Report | Mon – Thurs 11:30pm / 10:30c | |||
Obama Orders Stephen’s Haircut – Ray Odierno | ||||
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Durante a semana ainda aparecem mensagens em vídeo de George Bush, Bill Clinton, John McCain. Um programa de humor conseguiu reunir vários dos homens mais poderosos de seu tempo, sendo que esses homens não pensaram duas vezes antes de fazer piadas com suas próprias imagens públicas. John McCain, herói de guerra veterano da 2a Guerra Mundial do Vietnã (thanks Betinho) não teve problemas em dar aos soldados o conselho que aprendeu em uma guerra passada: “limpem sempre seus mosquetes”.
Os políticos fazem fila para participar do programa, mesmo os conservadores se beneficiam, já os liberais ganham em média 44% a mais em doações de campanha, após aparecer no show.
Já o Daily Show, programa-origem do Colbert Report e “mais sério”, recebe com frequência chefes de Estado, embaixadores e políticos de primeiro e segundo escalão. Há casos como o do picareta em último grau Rod Blagojevich, ex-governador de Illinois deposto por corrupção descarada. Ele foi massacrado de todas as formas por meses no Daily Show, mas no dia em que foi convidado, topou na hora. É melhor estabelecer uma política de “fairplay” do que cometer o Supremo Sacrilégio Americano, protestar contra um programa de humor.
Eu digo protestar pois lá a Constituição, já que não tem que se preocupar em regular juros de mercado, pode proteger o direito à sátira, à paródia, ao Humor.
Bolas, há eventos oficiais inteiros dedicados ao Humor. O Jantar dos Correspondentes de Imprensa da Casa Branca é basicamente uma noite de comédia, onde um humorista é convidado para… sacanear o Presidente, que por sua vez também faz seu showzinho. Ano passado o Obama mandou muito bem:
É, eu também não consigo imaginar o Lula ou o FHC fazendo isso. NA HORA iria aparecer a galera do mimimi com o discurso “fazendo piada enquanto tanta gente passa fome…”. Em uma parte do discurso Obama faz uma piada com David Axelrod, seu principal estrategista de campanha. Diz que falou “podemos fazer coisas maravilhosas juntos”, ao que David teria respondido “então vamos para Iowa tornar isso oficial”. Iowa havia recentemente legalizado o casamento gay.
Brincasse o Presidente assim no Brasil, o mimimi “presidente homofóbico” atingiria proporções bíblicas.
O conceito-chave aqui é Liberdade, algo tão entranhado na cultura ianque que consideram natural. Todas as formas de discurso são igualmente válidos, já passaram da Infância, não têm mais a necessidade de autoafirmação de nós latinos, que precisamos desesperadamente repetir todo o tempo que “isso é coisa séria”, e a maldita frase “com coisa séria não se brinca”.
Essas frases são o último refúgio do covarde, pois políticos não saber como lidar com Humor. A crítica do humor inteligente é rápida, mordaz e não pode ser combatida da mesma forma que políticos combatem críticas normais: com hipocrisia, frases de sentido vago e muito bla bla bla. Por isso tantas tentativas de censurar humor em tempos de eleição. A comédia além de ser vista como uma arte menor por boa parte do público e dos próprios artistas, é considerada subversiva. Humoristas nada mais são na visão dessa gente do que encrenqueiros.
Aqui cabe uma mea culpa, se a classe política ainda está na idade da pedra, os humoristas também não vão muito longe. Há muito pouca gente aqui capaz de sentar numa mesa com um Lula e ir além de piadas com o dedo, e definitivamente o tempo do Presidente da República é valioso demais para ouvir um engraçadinho perguntando se é verdade que ele fez 3 faculdades.
Infelizmente a questão é -mais uma vez- cultural. Nossos políticos temem o Humor por não saber lidar com ele. Não lidam com ele por não ser algo “digno” de importantes políticos, e o público compartilha da percepção de que no fundo Humor É uma atividade menor, bem menos nobre que o Jornalismo. Seja ele qual for.
Eu prefiro acreditar que se ganhadores do Nobel como Paul Krugman, Muhammad Yunus e Joseph Stiglitz acham o Colbert Report relevante o suficiente para merecer suas visitas, talvez o Humor deva ser levado a sério.