O triste estado da divulgação científica. Há esperança?

O triste estado da divulgação científica. Há esperança?

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carl_sagan_wallpaper O triste estado da divulgação científica. Há esperança?

Espero que me perdoem esse desabafo, mas é necessário.

Primeiro de tudo, eu não sou um cientista. Já fui. Carl Sagan dizia que toda criança nascia cientista, até os adultos expulsarem dela o senso de deslumbramento, a curiosidade e a coragem de dizer “não sei” e explorar seu mundo em busca de respostas.

Tive kits de química, microscópios, eletrônica, me interessava por tudo, lia Júlio Verne e assistia ao Mundo Animal, nos sábados de manhã na Globo. Vi ao vivo o primeiro pouso da Colúmbia, uma das raras vezes em que a TV brasileira parou a programação para exibir ciência.

Não segui uma carreira em ciência por dois motivos: Primeiro, sabia o quanto era complicado ganhar a vida como cientista no Brasil, e segundo, eu gostava de todas as ciências (as de verdade, claro. Enquanto isso, percebi que admirava não só os cientistas, mas o que divulgavam a ciência. Nomes como Sagan, Asimov, Clarke, Beakman, James Burke e tantos outros.

Com o tempo percebi que o grande diferencial desses divulgadores não era o conhecimento –que tinham- mas o entusiasmo. E isso faltava na mídia já nos anos 80. Imagine agora então.

Isso gera um paradoxo onde temos cientistas que querem divulgar seu trabalho mas só entre seus pares, ao mesmo tempo em que reclamam que não são reconhecidos ou respeitados pela sociedade. Muitos não querem, outros não conseguem simplificar sua pesquisa, o que é um absurdo.

Um grande cientista cujo nome estava nos neurônios que meu último gin-tônica matou disse, certa vez, que se uma teoria não pode ser explicada a uma garçonete, é perda de tempo explorá-la. É verdade. Mas demanda didática.

Eu não vejo isso na maioria dos blogs de cientistas, o que é compreensível, mas não vejo isso também nos blogs de ciência. Não há didática nem há paixão. O redator que escreve o artigo sobre o asteroide russo o faz como se descrevesse uma batida de fuscas num estacionamento.

Pior ainda: Há muitos, demais casos onde o redator não tem a menor noção sobre o que está escrevendo, transcreve burocraticamente releases, que são replicados por sites terciários, que por sua vez alimentam outros e outros sites, numa comédia de erros que só desinforma o leitor.

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Um excelente exemplo é a nãotícia sobre o maçarico de uma empresa chamada SafeFlame. Em essência é um maçarico que utiliza uma chama de Hidrogênio. Você coloca água num recipiente, liga o aparelho numa tomada de alta Amperagem, ele faz eletrólise, separando as moléculas de H2O, que em seguida são recombinadas no bico do maçarico, em uma reação exotérmica clássica. O Hindenburg que o diga.

Não há NADA demais nisso. Qualquer criança, ao menos nos anos 80 brincou de eletrólise no colégio ou em casa. Você precisa de uma pilha, dois tubos de ensaio, água e sal. E uns fios. É um experimento básico, pra lá de conhecido, e que como qualquer um com um mínimo de conhecimento científico sabe, é terrivelmente ineficiente.

Como neste Universo respeitamos as Leis da Termodinâmica, a energia que você gasta para produzir o Hidrogênio e o Oxigênio é muito maior do que a que você obtém recombinando-os.

O resultado? Manchetes em vários sites alardeando a incrível tecnologia –um usou o termo “mágica”- que permitia que um maçarico “funcionasse apenas com água”. Vários sites omitiram o pequeno detalhe da necessidade de eletricidade.

Equivale a eu dizer que tenho um carro mágico que aparece no alto de prédios quando eu estalo os dedos, omitindo que o processo envolve um guindaste e vários dias de planejamento.

Quando o “inimigo” da divulgação científica são os fanáticos religiosos, os bigoleiros, vegans, anti-vacinas, vegans (são tão chatos que entram duas vezes) naturebas, ufeiros, nova era, “quânticos”, teóricos da conspiração, tudo bem. Só que agora além desse pessoal todo, temos que consertar as cagadas de “coleguinhas” que trabalham de má-vontade.

Ontem mesmo vieram me perguntar sobre planetas “gêmeos da Terra” que haviam sido descobertos. Nope, Apenas planetas com tamanho parecido com o nosso, com uma margem de erro de uns 800%. Todo asteroide descoberto é um asteroide mortal, todo terremoto é o Big One.

Mais ainda: Eu percebi que quem espalha pânico é recompensado. Sites de “ciências” com mensagens apocalípticas são incensados, as pessoas gostam de divulgar os “perigos” da ciência, mas quando você mostra que estão erradas, ficam irritadas, xingam ou na melhor das hipóteses, te ignoram.

Quando a Internet (re)descobriu as vacas Belgian Blue, que parecem halterofilistas anabolizados, imediatamente espalharam que era terríveis vacas transgênicas criadas por corporações inexcrupulosas. Vi posts com essa bobagem com mais de 10 mil compartilhamentos.

Fiz um texto, expliquei, mostrei que eram uma mutação com mais de 100 anos, absolutamente natural, tão comum quanto cenouras laranjas. Depois de 3 meses mal passei de 800 compartilhamentos. Ninguém quer ser contestado, ninguém quer ter sua verdade, por mais tênue e embasada em nada, contestada.

A “divulgação científica” da mídia atual sabe disso, então abrem sempre espaço para a “outra opinião”, mesmo que seja um astrólogo, a mídia covarde sempre termina seus textos com interrogações, sempre deixa um túnel da Mancha aberto para que todo mundo que não quer ser convencido pela argumentação científica possa passar, com suas certezas.

O resultado é que os textos são escritos em cima do muro, pensados para não ofender, não colocar em xeque NENHUMA crença do leitor, por menor que seja. Quem os escreve não conhece a área, não tem paixão pelo tema e muitas vezes mal o tolera.

E não é preciso muito. Fiz um texto sobre o desafortunado incidente onde um foguete russo colidiu com um micro-satélite do Equador. Um país pobre, com PIB menor que a cidade de São Paulo, mas com investimentos modestos e honestos em exploração espacial, sem abraçar o mundo com as pernas e dar calote pra todo lado como o Brasil. Consegui me entusiasmar, me solidarizar mesmo sem investimentos de bilhões de dólares. Mais ainda: Consegui passar isso no texto.

Mendel criou as bases da hereditariedade com ervilhas. Um “jornalista” de ciências falaria de ervilhas, um entusiasta chegaria no Golden Rice e humanos imunes ao HIV.

Só que esse tipo de texto dá trabalho, consome tempo, pesquisa e proporcionalmente ninguém lê. “Conheça as Pedras de Seu Signo” rende muito mais visitas. Mapa astral de cientistas, qualquer lixo com o sufixo “quântico”, tudo rende mais.

Divulgação Científica é ESSENCIAL, mas não é algo que se faça sozinho, não por muito tempo. É muito moinho de vento pra pouco Don Quixote. Não podemos depender dos cientistas, eles não querem falar, não consigo sequer lembrar da última vez que recebi uma pauta diretamente de um. Vamos buscar nossas pautas na marra, direto dos sites onde eles as escondem.

Temos que mostrar aos leitores que a divulgação científica feita por quem ama ciência é muito melhor do que o lixo burocrático que os jornais publicam. Temos que compartilhar essa paixão. Mostrar que não estamos na torre de marfim da academia, que qualquer um pode fazer parte de nosso clubinho.

Também temos tem que interagir mais entre nós, colegas divulgadores, precisamos de uma rede de feedback E incentivo, não adianta ser uma vela na escuridão se temos um estádio inteiro para iluminar. Temos que virar um candelabro.

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