Eu tenho uma confissão a fazer. Sou íntimo da Dona Solange. Para os não-íntimos, Solange Maria Teixeira Hernandes, diretora do departamento de censura Federal. Todo filme, desenho ou programa que eu assistia era antecedido de um certificado assinado por ela.
Em minha inocência eu não percebia que os filmes tinham montes de cortes, e em defesa da Dona Solange, a Globo, sempre escrava dos comerciais, metia a faca independente da censura. Os textos eram amaciados. Drogas não eram mencionadas, mesmo quando mostradas. Era tudo “muamba”. Alterações infantis eram feitas para agradar censores, e From Russia With Love virou Moscou Contra 007.
Nos jornais havia a saudável e perene denúncia contra corrupção, mas a esfera federal era tratada com bastante cuidado, os textos eram cheios de dedos. Dedos aliás eram a parte importante. Era possível ser contra isso tudo que está aí, mas sem apontar dedos. A bagunça natural do brasileiro impediu que a censura fosse realmente eficiente, mas ainda era um danado de um incômodo principalmente para Sófocles (497AC – 409AC) que recebeu ordem de prisão por sua indecente peça Édipo Rei, encenada em São Paulo.
Claro, nem de longe era uma censura soviética, no começo dos Anos 80 autores como Carlos Eduardo Novaes publicavam livremente livros e crônicas zoando o Governo, o Alvinho, o garotinho comunista que tentava mobilizar a babá e a empregada era o percursor do Afonsinho. Era uma censura de nicho, por assim dizer, mas censura nenhuma é bem melhor.
Por isso chega a ser ridículo ver a militância histérica dando chilique cada vez que o Facebook derruba um post do PT, do MBL, do Brasil24h ou de seja lá qual o grupo da moda. Outro dia o YouTube caiu. Foi o que bastou pra um grupo de retardados mentais acusarem o site de censura, afinal um dos vídeos de um canal conservador qualquer estava nos trending topics (ou algo assim) e o YouTube, que exibe UM BILHÃO DE HORAS DE VÍDEOS POR DIA resolveu prejudicar o canal de direita brasileiro que ninguém ouviu falar.
Toda, TODA VEZ que alguém começa um “tuitaço” (e eu morro um pouquinho de vergonha alheia) o algoritmo do Twitter detecta a manipulação de hashtags, diminui a importância dos RTs, a tag cai dos trending topics e entra a lengalenga “Twitter manipulador twitter de esquerda/direita censurando mensagens conservadoras/progressistas”.
Foi a mesma coisa com o O Marco Civil da Internet. Eu vou fazer uma outra confissão aqui. Eu não li o Marco Civil, e nem é por me lembrar o Marco Gomes. Eu perdi a conta de quanta gente me abordou cobrando posição, mas sempre no estilo “O que você acha do projeto nazista comunista totalitário do Marco Civil que qualquer um com coração deve odiar para sempre?” ou o contrário. Todo mundo já chegava com uma opinião pronta pedindo para eu assinar.
Acabei me desinteressando, eu não li o projeto, mas sei que não daria certo no Brasil, mesmo que fosse altamente controlador, o que não seria, dada nossa propensão à bagunça. Deu no que deu, foi aprovado (ou não, não sei) e a Internet continua a mesma coisa.
Agora vivemos “tempos de golpe”. Você sabe, o misterioso Golpe de Estado onde o Vice-Presidente eleito democraticamente assumiu depois de um estranho impeachment onde a Ex-Presidente não perdeu seus direitos políticos e o partido dela está fazendo coligações com o partido do Ex-Vice para as próximas eleições.
Os Millenials principalmente falam como se estivessem em plena Alemanha Oriental, sob os olhos de agentes da STASI, o que convenhamos é ridículo. A primeira regra de um regime totalitário é que você não fala mal impunemente do regime totalitário.
É o caso da Tanzânia, um shithole (© Trump) na África com renda per capita de 1/10 da brasileira, cujo único grande mérito é ter um emblema nacional com a Hale Berry e a Beyonce:
O país é governado pelo excelentíssimo democraticamente eleito Dr John Joseph Magufuli, um líder populista, popular “homem do povo” e com discurso moralizador anti-corrupção, e que faz bom uso dessa imagem, principalmente para calar adversários políticos.
Agora em Março entrou em vigor uma legislação para botar ordem na casa, controlando discurso de ódio, material indecente, incitações a desordem e todos os proibidos que tanto a esquerda quanto a direita adoram proibir.
A legislação, chamada THE ELECTRONIC AND POSTAL COMMUNICATIONS ACT, que você pode ler na íntegra aqui (cuidado, PDF) é um pesadelo orwelliano. Ela determina que blogueiros precisam se registrar em um banco de dados nacional, incluindo nome e endereço:
Calma que piorar. Em um país onde a Renda Per Capita é de US$878,00 um blogueiro para se registrar terá que pagar US$930,00 de licença para blogar. A taxa de renovação é mais razoável, US$400,00.
Também serão cobradas licenças para manter serviços de streaming, rádios, podcasts e TVs online, fóruns de discussão e redes sociais. Todo celular deverá ter senha e não cumprir isso significa uma multa de US$2 mil e/ou 12 meses de cadeia.
Cybercafés terão que instalar filtros de conteúdo, manter logs de acesso e colocar em seus recintos câmeras de vídeo.
Entre o conteúdo proibido está “o uso de termos ofensivos de forma calculada para ofender um indivíduo ou um grupo de pessoas”. Ofender no caso, vale pra “conteúdo indecente”, que eles definem como qualquer conteúdo que seja ofensivo, moralmente impróprio e “contra os padrões correntes de comportamento aceitável”.
Falar mal do Presidente também não pode, como vários jornalistas presos descobriram. Ah sim, desde 2016 que todo jornalista na Tanzânia tem que se registrar junto ao Governo democrático do mesmo partido que está no poder desde 1977 nada pra ver aqui cidadão circulando.
Essa legislação vai expulsar da Internet tanzaniana todos os produtores de conteúdo que não são bem ricos, e esses tendem a estar satisfeitos com o Governo. É uma situação preocupante mas que não tem solução, é um assunto totalmente interno, e convenhamos, fora Freddie Mercury que mais a Tanzânia exporta pra gente boicotar?
Apesar dos pesares a verdade é que vivemos por três governos do PT e mesmo com todo o fogo no rabo do Lula de “regular as comunicações”, nunca fizeram nada nesse sentido, bem como não fez FHC e não fará mesmo o Bolsonaro. O Dória talvez, paulista tem tara por proibir coisas naquela cidade, mas nós não estamos sob um regime autoritário, nossas liberdades civis não estão por um fio e pelamordedeus parem com essa histeria de se achar o último baluarte da democracia cada vez que seu blog cai por excesso de visitas ou o Facebook apaga uma postagem automaticamente depois de um monte de denúncias, até porque o seu lado usa exatamente a mesma técnica pra apagar as postagens da oposição.
Mais política, menos histeria. Se não pelo bom-senso, ao menos em respeito aos blogueiros tanzanianos que vão sofrer horrores nas mãos do Presidente que tecnicamente é totalmente legítimo.