Como o Coronavirus fez os talk shows acreditarem em Darwin

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Nós já vimos como o Coronavirus afetou a produção de séries de TV, mas há uma categoria especialmente vulnerável que enfrentou um dilema vital: Os talk shows. Eles são uma espécie de maionese; ótimas para acompanhar o jantar, mas se você fizer e guardar, depois de alguns dias se tornam indigestos.

Fora clipes  do YouTube, talk shows tem zero apelo de reprise, por sua natureza eles lidam com assuntos atuais, referências pop e tudo mais que daqui a seis meses fica sem-sentido ou apenas desinteressante. Mais ainda, nos EUA o formato do talk show é o clássico Johnny Carson, mesa, sofá para o entrevistado, platéia. Como isso funciona em tempos de Corona?

Por décadas o formato do talk show foi refinado para passar ao espectador toda a dinâmica de uma apresentação ao vivo. A platéia é convidada a participar, é importante que ela ria, esbraveje, marque sua presença. Com isso o espectador se sente parte do programa.

Curiosamente o pessoal esnobe não reclama da platéia dos talk shows, mas torcem o nariz para as claques das sitcoms, dizendo que são “risadas gravadas”. Isso inclusive é usado como sinônimo de programa ruim. O Reddit, que odeia Big Bang Theory, aponta isso como um dos maiores defeitos da série. Estranho não perceberem que IT Crowd, que é incensada pelo mesmo Reddit, era igualmente gravada ao vivo com risadas da platéia.

Uma das bobagens que os tais “fãs” do Reddit fazem é editar vídeos de Big Bang Theory removendo as risadas, e é ÓBVIO que fica horrível. O texto e a direção são pensados para as pausas das risadas. Você não pode pegar um texto escrito para uma sitcom gravada ao vivo com várias câmeras e editar como se fosse um programa de estúdio.

E esse, crianças, é o problema com os talk shows. Um talk show não é uma conversa entre o entrevistado e o entrevistador. Está mais pra uma conversa numa festa entre duas pessoas extremamente interessantes, daquela que junta gente em volta pra acompanhar.

Toda a dinâmica do talk show depende da platéia, o próprio apresentador precisa do feedback positivo. É psicologia básica, humor é muito mais engraçado quando compartilhado. O texto dos talk shows é feito para uma platéia ao vivo, com punchlines e pausas. Retire a platéia e tudo desaba como um castelo de cartas.

Mesmo o clássico Seinfeld perde completamente o ritmo sem as risadas, veja:

Isso quer dizer que essas séries são ruins pois dependem de trilha de risadas? Não, cacete, a questão é que elas são escritas pra funcionar com as risadas, tire-as e algo fica faltando.

Como fazer um talk show sem platéia, sem banda, sem uma equipe de dezenas de pessoas? Felizmente o pessoal esperto de tv segue bem o princípio darwinista, que não é nem nunca foi a sobrevivência do mais forte, e sim a sobrevivência da espécie que melhor se adapta às mudanças em seu meio-ambiente.

Como o show não pode parar, a maioria dos talk shows noturnos migrou para… a casa dos apresentadores. Dizem eles que estão fazendo tudo sozinhos, mas fica claro que rola uma equipe mínima, filhos adolescentes não são tá bons assim com câmera e iluminação.

Stephen Colbert, Jimmy Kimmel, Jimmy Fallon, Conan O’Brien, Seth Mayers, todo mundo produzindo de casa:

Como não dá para trazer convidados em tempos de quarentena, os apresentadores fazem entrevistas via Skype e até Facetime. Dependendo do caso o entrevistado grava do seu lado e envia o arquivo de melhor qualidade para a produção.

Os programas são editados remotamente, e embora seja muito mais lento e trabalhoso, estão conseguindo manter o ritmo e produzindo um programa em qualidade FullHD (mais ou menos) diariamente.

O resultado é… menos que ideal.

Alguns programas se adaptaram melhor do que outros, mas o problema é sempre o mesmo, e nem é técnico, é texto.

Existe uma diferença entre escrever um texto engraçado e escrever piadas. George Carlin nunca contou uma piada na vida. O texto dele era provocador e engraçado, mas sem piadas. Ricky Gervais tem um estilo aonde enfileira anedotas curtas, mais no formato do stand up clássico. Jimmy Carr abusa dos one-liners e piadas clássicas.

No Brasil podemos usar como exemplo Ary Toledo e Costinha no estilo humorista tradicional contador de anedotas, Chico Anysio no formato mais contador de causos e Danilo Gentili como Stand Up no modelo americano.

Todos esses formatos dependem de platéia, alguns mais, outros menos.

Os profissionais acostumados a escrever textos para plateias estão se adaptando ou morrendo, e muito rápido. O melhor de todos tem sido o Last Week Tonight, com John Oliver.

Com a quarentena e o distanciamento social a audiência da maioria dos programas vem subindo, mas isso não vai durar muito tempo. O público vai abandonar os programas que não estão funcionando.

Será o suficiente para os piores saírem do ar? Provavelmente não, mas alguns casos como o Saturday Night Live com Tom Hanks o resultado foi desastroso.

E se você ainda tem dúvida de que nem todos os formatos podem se adaptar, veja a tragédia que é o Domingão do Faustão sem platéia.



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