Como os Jovens Adultos estão matando a Literatura

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Ela é perfeita ela nasceu sabendo tudo ela não erra. Ela é um porre.

Desde tempos imemoriais heróis são alvo de problematizações, de todos os lados. Pode ser gente dizendo que heróis criam expectativas irreais para jovens impressionáveis, pode ser gente doente como Fredric Wertham, que sozinho quase destruiu a indústria de quadrinhos, ao associar quadrinhos com delinquência juvenil, entrevistando exclusivamente jovens delinquentes e perguntando se eles liam gibis.

Hoje vemos uma nova ameaça, vinda de onde menos se espera: Os próprios leitores. 

Mesmo que a maioria dos autores negue, leitores influenciam sim as obras. A Rede Globo por décadas afina o texto de suas novelas com base em pesquisas de opinião, e crianças, os fãs de novela levam seu entretenimento a sério, vide os casos de atores apanhando na rua.

Ironicamente, o mesmo espectador que bate no vilão na rua, sabe que ele é um personagem de ficção, e reclama quando o autor sai da linha. Em um caso clássico alguns anos atrás a Globo foi inundada por ligações de fãs reclamando que o vilão estava tratando muito mal sua secretária.

Dadas as proporções era o equivalente a reclamar que o Comandante Cobra, líder da maior organização terrorista do mundo, chutava cachorrinhos.

Uma explicação bem provável é que quando o vilão humilha a secretária ele está atingindo alguém socialmente bem mais próximo do espectador médio, já quando ele trama contra outro milionário, tudo bem, eles que são brancos que se entendam.

Mesmo assim o público noveleiro não quer que o vilão seja bonzinho ou inofensivo, eles têm regras de vilania, e nisso estão anos-luz adiante da maior praga que já atingiu a dramaturgia: O Jovem Adulto.

Explicando: O público de jovens adultos antigamente era composto de leitores de Júlio Verne, Monteiro Lobato, JD Salinger. Eram adolescentes descobrindo o mundo, confusos mas dispostos a explorar o desconhecido, bater cabeça, errar, aprender com os erros, lamber as feridas e seguir adiante.

A literatura refletia isso. Os heróis eram imperfeitos, erravam, pagavam por sua arrogância. Mesmo nos quadrinhos, Peter Parker deixou o futuro assassino de seu tio fugir, e apendeu da pior forma que atos trazem consequências.

Dexter é herói? É vilão?

Thor foi transformado em um médico aleijado para aprender humildade. Na fantasia escapista distópica de Admirável Mundo Novo, o Selvagem era extremamente egoísta, ao se posicionar como o Correto e todo o resto da Sociedade, automaticamente errados.

Nós aprendemos a lidar com nuance, aprendemos que heróis bem-intencionados podem falhar, e que gente não exatamente perfeita pode salvar o dia. Pombas, quantos filmes com presidiários com alguma habilidade especial e que no final se sacrificaram pela missão foram feitos?

Nisso tudo um fenômeno era frequente: a identificação. Se você não se identifica com o personagem, qual a graça? Isso é o feijão com arroz da Disney, todo menino quer ser especial, convocado para uma missão vital, matar um dragão, salvar um castelo.

Já as meninas sonham em acordar com uma carta, um mensageiro dizendo que elas são princesas de um reino distante, igualmente especiais, mas mesmo quando isso não acontece, os espectadores aprendiam a achar partes dos personagens com que se identificar.

Identificação não é espelho, você pode se enxergar em qualquer personagem, você pode perfeitamente admirar as qualidades sem se associar com os defeitos. Com um mínimo de maturidade literária dá pra entender que protagonista não é sinônimo de herói, mas hoje em dia essa distinção está desaparecendo.

Os chamados “jovens adultos” são uma geração livre de nuance, eles não entendem mais metáforas, vide o caso da Professora Hannah Berliner Fischthal. Com 20 anos de casa, ela estava dando um curso na Universidade sobre Sátira e Literatura.

Durante uma aula ela usou um livro de Mark Twain que era uma alegoria abolicionista ridicularizando a instituição da escravidão. A professora explicou que os termos usados por Twain eram expressões coloquiais da época e deveriam ser entendidos dentro do contexto. 

Obviamente assim que ela leu um trecho com a palavra “nigger” os floquinhos deram piti, abriram queixa na Direção e a professora acabou demitida.

Quentin Tarantino tambẽm foi criticado por seus personagens racistas em Django Livre usarem a expressão “nigger” e agirem de forma violenta e preconceituosa contra os escravos.

Em Harry Potter, antes mesmo da Lacrosfera determinar que JK Rowling era o anticristo, já havia gente criticando Snape por perseguir Harry Potter, Hermione por se envolver mais com os rapazes do que com as outras meninas, e a sociedade como um todo por permitir que os elfos domésticos fossem escravizados, mas essa a Rowling tem culpa no cartório mesmo.

Em busca de novas obras e mais validação, o mercado começou a inundar as livrarias com histórias mais simples, menos controversas e com protagonistas de mais fácil digestão. 

A chamada literatura para Jovens Adultos traz zero conflito interior. As personagens são perfeitinhas, um bando de Rey Skywalkers sem defeito ou dúvidas. Para a turma sem nuance, é ótimo.

Você consulta uma ficha, descobre se a protagonista preenche seus critérios de cor, raça, gênero e doenças mentais listadas no CID, decide que se identifica com ela e ganha um avatar à prova de dúvidas ou inseguranças.

Katniss é uma Kate Bishop que não faz merda.

Ao mesmo tempo você, do alto do seu cavalo moral, aponta a problemática escolha de quem prefere gostar de personagens por serem divertidos, intrigantes, bem-escritos ou empolgantes.

O Jovem Adulto não entende o conceito de amar um personagem malvado. Não sabem o que foi odiar Darth Vader por três filmes até sua redenção final. E olha que nem é preciso. Adultos conseguem gostar de vilões sem adotar suas ideologias.

Outro dia vi Jovens Adultos problematizando quem gostava do Império, pois em Star Wars eles eram “fascistas”. Outros inclusive DENUNCIARAM que o termo Stormtrooper veio dos nazistas. Perfeito, mas nem isso. Os Sturmtruppen eram tropas de assalto criadas pela Alemanha Imperial… na 1a Guerra Mundial.

E a problematização nem precisa atingir esse nível. Em “Anna and the French Kiss”, de Stephanie Perkins problematizaram o fato da protagonista se apaixonar por um sujeito que… tem uma namorada. 

Sim, um dos mais básicos recursos dramáticos, o triângulo amoroso. Agora é problemático. Como fica a história se a gente tira isso? O que sobra?

Em um artigo de título “Where Are the Unlikeable Female Characters in Young Adult Fiction?”, 

Hayley Krischer pergunta onde estão as personagens femininas desagradáveis na ficção de Jovens Adultos. É uma pergunta válida. 

Os jovens compram os livros esperando personagens puras inteligentes bonitas agradáveis atléticas poderosas e determinadas. Querem um protagonista absolutamente perfeito para então se identificarem com ele.

Aí quando esses jovens adultos tentam se aventurar em livros mais sérios, descobrem que Henry Miller, Bukowsky, James Joyce e Jorge Amado estão cagando e andando pra eles, e sim Pedro Bala era estuprador. Aceita que dói menos, como ele falou no livro.

O resultado é um bando de jovens tentando desesperadamente cancelar autores, muitas vezes falecidos. Chega a ser hilário os jovens que nunca leram Lolita acusando Nabokov de pedofilia, sem saber que o protagonista é um narrador não-confiável, e que a cada duas páginas fala o quão horrĩvel ele é.

Esse desespero vai acabar em censura, em versões sanitizadas de obras clássicas, criadas para não ofender os frágeis olhos e sensibilidades dos Jovens Adultos. Teremos versões de tragédias com finais felizes e terríveis vilões respeitando vagas para deficientes, e se você acha que estou exagerando, gostaria de lembrar que a Marvel já colocou o Galactus, uma Entidade anterior ao Big Bang, um dos maiores poderes do Universo, quase pedindo desculpas à Garota-Esquilo por não respeitar pronomes de gênero.

Isso vai durar? Provavelmente não. Neil Gaiman diz que as velhas histórias sempre voltam às suas formas originais, e eu confio nele, mas esperar é complicado. Dramaturgia depende de conflito, conflito depende de desigualdade. 

Precisamos de gente desigual e imperfeita para fazer boa dramaturgia, Esses personagens imperfeitos e complicados nos representam, sem eles temos personagens de papelão com zero profundidade, espelhos de floquinhos hipócritas que adoram fingir que são melhores que todo mundo. 

Spoiler alert: Não são.



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