Era uma vez uma sociedade utópica perfeitamente organizada. Os descontentes eram poucos e no máximo insatisfeitos. As pessoas viviam suas vidas sem saber que eram controladas por máquinas desde seu nascimento, as suspeitas, mesmo raras eram explicadas através de mitologias e outras justificativas.
Essa sociedade tinha um defeito que nem seus criadores conseguiram resolver: Ela era estagnada. Para que evoluísse era preciso que uma instabilidade fosse inserida no sistema. Assim de tempos em tempos nascia um Escolhido, um jovem com uma percepção diferente da realidade que, se tudo desse certo quebraria o ciclo de morte e renascimento daquela sociedade, e sua dependência das máquinas.
Não, não é o mundo de Matrix. Eu descrevi o livro A Cidade e as Estrelas, de Sir Arthur C. Clarke, escrito em 1956.
O tema é recorrente, há um consenso de que não há progresso sem elementos de instabilidade, sem uma dose de Caos. A lição vale pros dois lados, pois também é evidente que por mais que se tente é impossível eliminar todos esses elementos de Instabilidade. Mesmo em histórias onde o final é pessimista, como 1984 de Gorge Orwell ou o curta de Angeli A Cauda do Dinossauro, com a edificante Christiane Tricerri, a história só é pessimista por ter sido contada pela metade. O Status Quo nunca é confortável ou simples de ser mantido.
Mais ainda: Esses elementos de instabilidade e Caos (Caos aqui é no sentido científico, faz favor) são essenciais para evitar a regressão da sociedade, pois qualquer liberdade não exercida tende a ser esquecida. Quando da queda do Muro de Berlin milhares de pessoas atravessaram para a Alemanha Ocidental apenas para voltar para casa depois de visitar parentes ou passear pela cidade. Mais duas ou três gerações e ninguém faria isso mesmo sem muro.
Quando vemos o caso do Julian Assange, o blogueiro responsável pelo site Wikileaks, especializado em publicar informação confidencial e constrangedora percebemos que ele é um desses elementos de caos. Ele não existe para vazar informação. A informação já está aí para quem quiser, Agências de Espionagem conseguem dados muito mais valiosos o tempo todo. 99% do que foi vazado era fofoca diplomática, conseguir isso é fácil, agora mesmo foi divulgado que o marinheiro Bryan Minkyu Martin, da US Navy foi preso pelo FBI depois de receber US$3.500,00 em troca de dúzias de documentos secretos e alguns top secret.
Não é o primeiro nem será o último caso.
Ao divulgar seus documentos, vídeos e fotos o Wikileaks de Assange não está fazendo trabalho de espionagem. Informação sigilosa que se torna pública se torna inútil, perde o valor estratégico. Se você sabe que eu sei não posso usar contra você.
O que Assange faz de útil é mostrar a uma comunidade de Inteligência onde estão seus elos fracos. Não adianta a NSA gastar bilhões desenvolvendo tecnologias de criptografia se um operador de comunicações copia um email pra um pendrive e depois repassa de casa pra um idiota qualquer com cara de francês.
Quando Michael Moore denuncia uma empresa como a Nike por vender sonho americano Made in Indonésia ou mostra como um plano de saúde se recusa a arcar com um procedimento caro mesmo que com isso o paciente vá morrer ele está fazendo algo socialmente importante, está fazendo com que o público acomodado questione sua realidade. Sim, ele é um chato, como todo chato só traz perguntas, nada de respostas ou propostas. É até fácil lidar com ele, um diretor da Nike perguntou se o público que quer tênis Made In America aceitaria pagar 10x o preço dos feitos na Indonésia (Ou Malásia, um buraco desses) e Moore, claro não respondeu.
Mesmo assim esse tipo de chato é essencial. Quando sua mulher pergunta “é por aqui mesmo?” ela nem sempre tem noção da rota, mas a simples pergunta faz com que você pense por um momento e avalie os arredores. PODE ser que não esteja no caminho certo. Achar a direção correta, aí é contigo.
O Wikileaks é muito importante não pelo que vaza, mas pelo que pode vazar. Os Donos do Poder precisam aproveitar a dica e repensar suas estruturas de informação. É essencial que todo mundo que lida com esse tipo de material sigiloso entenda que é possível sim tornar público em escala mundial algo MAS que também é essencial ter o discernimento pessoal de que nem tudo é para ser divulgado.
Anarquistas da Informação dizem que devemos viver em um mundo onde toda a informação esteja acessível a todo mundo. Lindo, espero que a informação de onde estão os Pôneis e Unicórnios também esteja no pacote.
No mundo real isso não funciona. Exemplo? Imagine se chegasse a Hitler toda a informação sobre o Dia D, confirmada por documentos do Alto-Comando aliado. Outro exemplo? Bem antes dos horrores de Auschwitz e Sobibor chegarem ao mundo em seu pálido desfile de zumbis em preto-e-branco, a informação dos campos de concentração chegou aos Aliados através de relatos de prisioneiros e outras testemunhas. Ninguém deu bola.
Ter a informação é fácil, o problema é saber o que fazer com ela. Isso que diferencia um General de uma Bibliotecária.
A lição do Wikileaks não é Segurança de Informação. Isso é impossível. A lição é discernimento, saber como lidar com a Informação. O idiota que vai pegar prisão perpétua por ter vazado 250 mil documentos sigilosos para o Assange, 250 mil documentos que não vão mudar NADA, NEM UMA PALHA, não sabia.
Nas palavras de São Paulo (Cor I, 6:12) “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”.
ADENDO:
Se algo o Wikilieaks serviu foi para mostrar a irrelevância do Brasil no Cenário Internacional. Dos 250 mil documentos vazados, um total de TRINTA E OITO são sobre o Brasil. Desses só seis são secretos.