O cabeludérrimo e complicado caso das feministas que queriam esquecer que foram mães

O cabeludérrimo e complicado caso das feministas que queriam esquecer que foram mães

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Eu sei que soará assustadora essa informação, mas a Internet é lugar com muitas brigas.

Entre os vários grupos se estapeando, temos as mulheres que não querem ter filhos versus as que consideram a maternidade uma obrigação moral e o ápice de suas vidas. Dentro do segundo grupo temos as defensoras do parto normal versus as “mães de cesárea”, consideradas menos mães pelo primeiro grupo. Também há a turma do parto humanizado, que prefere abrir mão de ciência e tecnologia e ter fihos em casa, ou em uma piscina com golfinhos.

Essas brigas todas são pinto, perto da primeira grande porradaria verbal envolvendo mulheres, crianças e ciência, no começo do Século passado.

Parto, como todo mundo que assiste seriados de TV sabe, é uma coisa desagradável. E nem é por não explicarem pra que diabos serve a água quente que sempre pedem nos filmes. São horas de gritos contrações, ameaças de morte e charutos. Na melhor das hipóteses se tudo der certo passa-se por uma situação que já vi descrita como, perdoem o meu francês, “cagar uma melancia”.

Yes eu sei foi lindo e maravilhoso a melhor experiência da sua vida. Claro, por isso tanto riso e alegria nas salas de parto.

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Parabéns, é um menino!

A idéia, apavorante para a maioria dos homens, é assustadora para algumas mulheres também, mas isso não quer dizer que elas não queiram filhos. Querem, só não querem a experiência. Essas mulheres já existiam no começo do Século XX, e uma clínica na Alemanha achou uma solução.

O método era acompanhar a gestante, e quando ela entrasse em trabalho de parto administrar um coquetel de drogas, cuja principal era Escopolamina, a droga usada para fazer zumbis. Ela tem efeitos sedativos, alucinógenos, hipnóticos, anestésicos E um dos efeitos colaterais é amnésia.

Em 1914 uma americana chamada Charlotte Carmody leu sobre a tal clínica, e viajou para Freiburg para ter seu filho lá. Ela conta que lembra de ter ido dormir, extremamente grávida. Acordou pensando que talvez naquele dia teria o filho, então reparou que a barriga estava bem menor. Uma enfermeira então entrou trazendo o pequeno Charlemagne. Ela havia entrado em trabalho de parto, recebido o coquetel, teve o filho normalmente e não lembrava de absolutamente nada. Essa era a experiência-padrão entre as pacientes do Dr Krönig.

Charlotte se tornou uma ativista do chamado Parto indolor, também conhecido como Sono do Crepúsculo (ainda assim uma história de amor melhor do que Twilight).

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Herrrr doktor Bernhardt Krönig, inventor do Sono do Crepúsculo.

O Movimento Feminista nos EUA aderiu em peso ao novo método, diziam que era uma forma de abolir toda a violência que envolvia o parto, e fazia com que as mulheres tivessem de novo controle sobre o próprio corpo. Não só mulheres ricas defendiam a técnica, havia até professoras viajando de cidade em cidade dando palestras sobre o Parto Indolor.

Uma certa Mrs Sargent, do Nebraska, relata sua experiência na clínica de Freibrug:

“Eu nem senti a injeção de escopolamina, eles primeiro aplicaram cocaína no local antes de usar a agulha hipodérmica. Logo depois em comecei a ficar grogue e em meia hora caí no sono, tão naturalmente quanto como quando vou para a cama. A próxima coisa de que me lembro foi estar acordada, ouvir a simpática voz do Dr Krönig dizendo que tudo está bem, e pensei quanto tempo demorá até eu ter meu bebê. Uma enfermeira então entrou carregando um travesseiro e nele havia um bebê. Eu pensei – talvez eu tenha tido um filho mas nunca poderei provar no tribunal – “

Como você provavelmente nunca ouviu falar disso tudo, está claro que não é algo comum hoje em dia, então vamos ao outro lado: Os médicos americanos tinham HORROR ao conceito. Achavam extremamente perigoso administrar Morfina, Escopolamina e outras drogas em parturientes perfeitamente saudáveis. Outras mulheres acusavam as feministas de querer o oposto de controlar o próprio corpo, já que estavam apagando as experiências.

Com o tempo começaram a aparecer os efeitos colaterais sérios. Como a escopolamina não era filtrada pela placenta, os fetos recebiam uma alta dose de drogas, e isso não é bom, daqui a pouco o seu feto estará quebrando vidro de carro pra roubar cd player.

Do ponto de vista psicológico, as Mães do Crepúsculo algumas vezes apresentavam um distanciamento de seus filhos, não havia a mesma conexão emocional presente em um parto, e sim, a cesárea conta, é estressante o suficiente.

POR OUTRO LADO, os alemães já tinham identificado e controlado os efeitos colaterais, nunca tiveram nenhum problema cardíaco e das 500 primeiras pacientes, 500 sobreviveram sem problemas. Os efeitos nos fetos eram controlados com reanimação, e eles (os médicos, não os fetos) aprenderam que poderiam ser minimizados se as drogas fossem administradas até 4h antes do parto. Na parte psicológica, variava de mulher para mulher algumas eram mais apegadas aos filhos via Sono do Crepúsculo do que aos que vieram por parto normal.

No final o grande problema era que o método, assim como Ruby não escala. Com uma equipe inteira acompanhando é fácil tudo dar certo, mas as pacientes tinham que dormir em camas especiais, para não caírem, por causa dos esfeitos da escopolamina. Nos hospitais dos EUA não havia mão de obra suficiente para dar esse nível de atenção, e muitos casos acabavam com dosagens erradas, onde as pacientes acabavam lembrando do parto, e como eram amarradas às mesas cirúrgicas, a lembrança era mais traumática ainda.

Os médicos não aceitavam o conceito de “parto sem dor”, afinal eles viam a paciente gritar e chorar e xingar durante o parto. Ela não se lembrar de nada não era justificativa para nada. Convenhamos, se você surrar alguém até o sujeito desenvolver amnésia, isso não serve como atenuante.

A controvérsia continuou grande, os partos “sem dor” continuaram acontecendo, até 1915, quando Charlotte Carmody foi ter seu segundo filho, e acabou morrendo de hemorragia afinal era 1915. Ela ter optado pela Escopolamina não teve qualquer influência na hemorragia, mas o grande público não conseguiu entender isso e o parto indolor caiu no esquecimento.

Essa é uma daquelas histórias onde não há certo ou errado, ao menos para mim. Consigo entender os argumentos dos dois lados. E os contra-argumentos. Sim, há toda uma ligação mãe/filho com o parto, mas como ficam as mães adotivas? Seu corpo suas regras não vale se você não quiser ser lembrada da pior forma que sua ppk não evoluiu com a mesma velocidade dos cérebros que nos deram esses cabeções?

O Sono do Crepúsculo é uma aula de como maniqueísmo nem sempre é a resposta. Principalmente, é perfeitamente aceitável estudar uma situação e decidir que você não tem um lado. Não é o “eles que se matem”, das brigas coxinhas vs petralhas. É uma posição mais singela, tipo a Dolores em Westworld.

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Não é fácil, eu sei. Fico imaginando cenários pra tentar me convencer de uma posição ou de outra, mas o mais difícil é perceber que não é preciso, dá para ser feliz sem ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Exceto nesse caso, sou tão cagão se que fosse mulher eu escolheria o Parto Indolor E usaria mãe de aluguel, só pra garantir ;)

Para saber (muito) mais: The truth about twilight sleep, de Hanna Rion, publicado em 1915. Texto completo aqui.

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