Anhangabaú – Entre a mente suburbana e o tesão pelo cimento

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Uma das vantagens de ter crescido classe média na periferia do Rio de Janeiro (tendo passado por Caxias, Ilha, Tijuca, Rio Comprido) é que a gente tem parentes e amigos em todas as classes sociais, e com isso a gente começa a perceber algumas tendências. Uma das que mais me irrita é o horror que o afegão médio tem de natureza.

Quer dizer, não oficialmente. O suburbano carioca adora viajar pra praia no Carnaval, passando 16 horas no engarrafamento da Niterói-Manilha. Quando junta uma grana vai pra Poços de Caldas ou Campos do Jordão, fica horas contando dos imensos e lindos bosques, mas não na casa dele. Ali não.

Árvore é que nem filho viado, ele aceita o do vizinho, acha bonito e corajoso mas na casa dele nem pensar. O carioca que consegue algum dinheiro, melhora de vida, tem trauma da casa com chão de terra aonde ele cresceu; morre de medo de ter que voltar pra uma vila, se herda a casa dos pais, precisa fazer uma reforma bem aparente pra “provar” que tem mérito.

Reconheceu, né? Todo brasileiro reconhece o famigerado piso de caquinho.

Qual a reforma que 9 em cada 10 suburbanos escolhem? A mais barata e mais eficiente como forma de propagandear seu sucesso financeiro: Cortam as árvores do quintal e cimentam tudo. Quem pode, coloca piso, ganhando elogios dos vizinhos.

Já vi casas com quintais enormes, cheios de árvores frutíferas que foram dizimados em prol de um imenso cimentado roxo (pobre ADORA cimento colorizado) e uma maldita piscina TONE.

“Olha, estamos progredindo, já cimentamos o quintal e matamos a árvore que estraga o piso com as raízes.

Ninguém lamentava o fim das árvores, no máximo comentavam “nossa dava trabalho ficar varrendo as folhas”. Aí, claro, no verão todo mundo tinha que se enfiar naquele cilindro de plástico cheio de urina e coliformes, único jeito de sobreviver ao calor senegalesco do cimentado.

Essa tendência parece ter migrado pro brasileiro em geral, talvez por causa da obsessão nacional com o Niemeyer, aquele cara que fazia ótima arquitetura cujo único defeito era não ser compatível com seres humanos. Niemeyer odiava árvores, talvez por seu verde-dólar ofender os sentimentos comunistas do arquiteto.

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Concreto e aço pra todo lado, mas piora. No Brasil políticos também odeiam árvores, a manutenção é cara, fica evidente se a área está mal-cuidada e não dá pra roubar direito pq há muitas empresas envolvidas e os contratos individuais são pequenos. Mais ainda, árvore não é sinal de progresso, árvore já estava ali.

Progresso são estruturas de vidro e aço, preferencialmente superfaturadas.

O resultado foi um exemplo didático do que não fazer: O Parque do Anhangabaú, ou vale, sei lá. Em 1927 a região era assim:

A especulação imobiliária, descaso público e desinteresse geral da população tornaram a região uma simples conjunção de ruas, e nos anos 1960 o Vale se parecia com isto:

Idéias de revitalizar o lugar surgiram e passaram, mas nos anos 2010 um projeto foi aprovado; com projeto urbanístico de Jorge Wilheim, arquitetura paisagística de Rosa Kliass o Anhangabaú ganharia áreas verdes, lagos e até wifi.

Outra versão do projeto era menos ambiciosa, saíam os laguinhos, vinha mais cimentado. Algumas áreas verdes, e era isso.

Agora o tal parque foi inaugurado, e é esta merda aqui:

O maldito cimentado. Gastaram milhões, levou anos e os cornos me fazem um maldito cimentado. A mentalidade de ex-pobre é gritante. É o vira-lata querendo mostrar que é um país de verdade e quer seu Empire State igual ao Tio Sam.

Sério, precisa de “projeto arquitetônico” pra fazer um cimentado, uma rua de pedestres?

Felizmente nem todo mundo tem essa visão tacanha. E pra mostrar a alternativa, vamos começar com esta favelinha aqui:

Rocinha? Maré? Não, isso é na Pior Coréia, pré-1945. Esse riozinho é um canal de drenagem de áreas pluviais que atravessava parte de Seul. Com o tempo virou um belo esgoto, com as pessoas jogando lixo direto. A solução? Cobriram o canal, fizeram uma estrada por cima, colocaram um viaduto e por décadas fingiram que ele não existia.

No final dos Anos 70 os investimentos massivos em educação e saúde pública começaram a dar resultado, a Pior Coréia ajudou a fundar os chamados Tigres Asiáticos, as favelinhas foram urbanizadas e começaram a pensar em restaurar o antigo canal.

Um projeto surgiu em 2003, eles removeram o viaduto, que misteriosamente não teve suas vigas roubadas, e o canal começou a ser reconstruído, com remoção de milhões de toneladas de lixo acumulado.

A obra no final custou US$281 milhões, ou uma fração de um estádio da Copa, mas ao contrário deles, ficou pronta no prazo. Em 2005 estava inaugurado o canal Cheonggyecheon.

São 10.9Km de comprimento, 90 km2 de superfície aquática, todo um sistema ecológico que abaixa a temperatura da região em 3.6 graus no verão. Hoje é uma das áreas mais populares da cidade, atraindo turistas do mundo inteiro. A valorização das propriedades à sua volta retornou dezenas de vezes os custos do projeto.

Enquanto isso aqui o projeto final da Prefeitura de São Paulo é (SE terminarem, o que duvido) uma rua de pedestres que alaga.

PS: Bônus pra esse photoshop SAFADO feito no MS Paint, que incrivelmente é uma imagem oficial da Prefeitura de São Paulo.



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