Brasil, onde logística significa “melhor comprar na loja”

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Compras de catálogo não são nenhuma novidade, o primeiro desses serviços foi criado para vender livros, em uma época onde isso ainda era um negócio viável, em 1498 em Veneza, pra ser mais preciso. Com o tempo o conceito foi se aprimorando e com as ferrovias integrando o país, o mercado de catálogos estourou nos EUA do final do Século XIX.

Era uma mina de ouro, empresas como Tiffany, Sears e a JC Penny vendiam para o país todo, sem precisar manter uma rede de lojas. Onde o Correio chegasse, eles chegavam e como não tem Curitiba nos EUA, não sumia nada. A publicidade na época era muito mais descritiva, o consumidor precisava ser convencido com argumentos factuais, não havia compra de impulso. O processo de escolher produto, recortar cupom, ir no correio  dava tempo demais pro sujeito pensar duas vezes. Por isso os anúncios eram basicamente assim:

Só que mesmo naquele tempo ninguém mais tinha tempo de ficar lendo laudas e laudas de texto, os catálogos passaram a usar de cores e ilustrações, confiando que as pessoas já sabiam do que se tratava o produto. Foi a época de ouro da arte na publicidade, ilustradores ficaram ricos e eram tratados como estrelas dentro das agências.

Para ter uma visão bem legal de como era a publicidade nesses primórdios recomendo MUITO o livro A Ciência da Propaganda, de Claude Hopkins, um pioneiro redator vendedor e entusiasta. Ele chegou a ganhar um salário anual de US$185 mil, e se isso parece bom pra hoje, imagine em 1907. Muito do que ele fala aparentemente está desatualizado, mas a essência da propaganda, da venda continua a mesma.

No Brasil a venda por catálogo nunca pegou. Talvez nosso temperamento latino tenha colaborado, mas boa parte da culpa é nossa falta de infraestrutura. Tamanho, como os EUA demonstraram, nunca foi problema. Problema é você ter que andar 100Km até uma agência do correio e não ter ninguém lá.

Nós acabamos adotando um modelo híbrido, as famosas vendedoras da Avon se tornaram consultoras. Em outros lugares elas passavam para recolher os pedidos, no Brasil elas recomendam, sugerem, avaliam e negociam. Um modelo que deveria facilitar a vida do consumidor se tornou… um compromisso.

Depois de gerações assim aprendemos a gostar de gente nos servindo. Pode ser na birosca mais xexelenta da Pedra da Buceta, em Jacarepaguá (existe, juro). Se o dono da birosca botar tudo self-service vai ter gente reclamando. Quando tentaram implantar postos de gasolina self-service no Brasil dois grupos reclamaram: Frentistas, que perderiam emprego, e motoristas, que acharam um ABSURDO se rebaixar a esse ponto.

O mais engraçado é que nos EUA abastecer o carro em posto self-service é a norma, todo mundo faz isso, sem distinção ou preconceito.

A noção de “famoso demais” pra isso não existe. Chegaram a criticar duramente a Hillary Clinton depois que alguém denunciou que ela não abastecia o próprio carro, mesmo com gente explicando que era uma questão de segurança, o Serviço Secreto não deixa.

Quanto ao Brasil, conseguimos criar o pior de dois mundos, compramos por catálogo mas dependemos da disponibilidade do vendedor, que tem que vir até nossa casa pra “tirar o pedido”.

Nós somos campeões mundiais errados em Logística. Lembre-se, somente no Brasil usa-se a frase “tem mas acabou”. Um exemplo fantástico dessa mentalidade aconteceu quando eu trabalhada como Enganador High-Tech em um sindicato. Eu editorava o jornal no Pagemaker e imprimia numa laser, o pessoal da arte montava as páginas em formato tablóide e imprimíamos no Jornal dos Sports. Um belo dia acabou o toner.

Fui atrás da Márcia, que cuidava do almoxarifado.

“Preciso de toner, tem?”

“Tem sim”

“Ótimo, me vê um”

“Não posso, se der esse vou ficar sem e minha ordem é não deixar acabar nada no estoque”

“Mas então por quê você não pediu mais?”

“Estamos em contenção de despesa e me avisaram pra não comprar nada que ainda tem no estoque”

Programadores reconhecerão um clássico loop. Eu pensei em entrar em modo full Bruce Banner mas primeiro não adiantaria nada e segundo eu estava cercando a guria tinha meses. (Spoiler: não peguei)

Voltei pra sala da Comunicação, expliquei pro diretor presente o que tinha acontecido. Voltamos na almoxarifado, ela havia ido embora pra casa e levado a chave. Tive que pular a divisória com uma escada e roubar um toner, no dia seguinte a guria ainda veio tirar satisfação.

Aqui você abre sua loja com 50 sabores de sorvete mas só estoca uns 5. Uma vez eu vi um tênis lindo e futurista com uma espécie de Nike incorporado. Fui no shopping. NINGUÉM conhecia. Voltei pro trabalho, pesquisei na Internet o produto era vendido em UMA cadeia de produtos esportivos. Fui na loja, nenhum vendedor tinha sequer ouvido falar. Pesquisaram no sistema, veio a resposta “tem mas acabou”.

Na FNAC fui atrás de um microsystem com USB, quando isso era novidade. O tal modelo era exclusivo da FNAC, foi anunciado assim em tudo que é revista. Cheguei na loja da Barra, claro que nenhum vendedor sabia do produto. De novo sistema… “Tem mas só de São Paulo, o prazo pra entregarem aqui pra gente é de 30 dias”

Toda compra no Brasil tem prazos absurdos. Eu comprei um barbeador vagabundo dia 27/4, a entrega prevista era até 26/5. Chegou ontem, 8/5 mas não importa. 30 dias é prazo para compras vindas de navio, e dos lentos paradores.

Nossa economia online sofre muito com a ineficiência de nossa logística, e pra piorar a terra do Tem mas Acabou inventou outro conceito logístico interessante: O Tem mas só de mentirinha.

Pode ver: Operadoras adoram anunciar lindos serviços futuristas de internet a laser, WIFI por telepatia, o escambau. Aí você vai ver área de cobertura: Um raio de 500m em volta da casa do presidente da empresa. O Ponto Frio inventou um conceito engraçadíssimo: Compre no site e retire na loja. Ótimo para quem não sabe que dá para negociar desconto na loja, ao vivo.

Só que é nem isso funciona. Comprei um Kindle, fui na opção de retirar na loja. Moro no bairro do Aeroporto Internacional, não é exatamente mato. Não, nenhuma loja disponível. OK, coloquei CEP do Centro da Cidade. Também nenhuma. Como os estoques não são unificados dependem do malote interno e ele não é tão versátil, aparentemente.

A experiência de ecommerce no Brasil conseguiu trazer para a Internet todos os vícios da venda física, e se você acha que estou brincando, lembre-se dos sites onde você começa a ver os produtos, espoca uma janela com um bot “Oi eu sou a CiberVendedora, posso ajudar?”

Se for assim eu prefiro a loja física onde ainda dá pra responder “não obrigado só estou olhando”, virar os calcanhares e ir embora.

 



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