Quem venceu os nazistas? A turma do mimimi

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Existem alguns raros, raríssimos momentos, em que temos que admitir que os nazistas fizeram algo correto, como quando demonstraram cientificamente a associação entre fumo e câncer, e quando ignoraram o apoio da Itália durante a guerra. Desta vez, é pior ainda. Em algum momento você vai ficar até com pena dos caras, e não estou brincando. E nada mostra mais que não estou brincando do que o tema: Humor alemão.

Embora seja fato notório que a Alemanha não é um paraíso da comédia, com gente fazendo aula pra aprender a rir e basicamente zero comediantes conhecidos fora de suas fronteiras, o humor alemão existe, mesmo em tempos sombrios. O que é assustador é a semelhança com os temas atuais, mas se você acha que vou traçar um paralelo entre a turma que quer fazer humor ofensivo e como isso é perigoso para minorias, bem, isto aqui não é a Vice, e a semelhança entre os tempos atuais e a Alemanha Nazista vai bem mais a fundo.

Os Velhos Tempos

Durante a República de Weimar (1918-1933) o humor na Alemanha era bem crítico, com sátira e sarcasmo comendo soltos. Quando os nazistas assumiram o poder, imagina-se que eles saíram censurando tudo e perseguindo comediantes, mas não foi tão simples. Humor era incentivado pelo Partido, com produções teatrais, programas de rádio e revistas financiadas pelo Estado, todas promovendo sátira como a forma básica de humor.

Também não havia a atmosfera de medo envolvendo piadas. A versão atual, de que as chamadas “piadas sussurradas” eram usadas como uma forma corajosa e subversiva de desafiar o regime é totalmente inventada. Embora tecnicamente fosse considerado subversão pelo Heimtückegesetz de 1934, o Ato de Traição só era invocado se o sujeito fosse um notório subversivo, aí a piada era só mais um detalhe.

As pessoas contavam livremente as chamadas “piadas sussuradas”, a ponto de um cartoon na Das Schwarze Korps mostrar uma piada sussurrada sobre Herman Göring sendo passada entre várias pessoas, ficando cada vez mais pesada, até chegar ao próprio Göring, que reclama: “De novo? Essa é velha, inventem uma piada nova”.

Detalhe: O Schwarze Korps era o jornal oficial da Gestapo.

O Alto-Comando nazista sabia rir de si mesmo, e embora tenha proibido o filme como propaganda judaica, Hitler conseguiu uma cópia, assistiu e adorou O Grande Ditador, de Charles Chaplin. Walter Foitzick, editor da revista humorística Simplicissimus escreveu em 1939:

“Quando alguém tem tanto poder, eles podem se permitir uma cutucada ou duas”

Só que a sociedade alemã estava mudando. A propaganda do Partido vendia o conceito de Volksgemeinschaft, a comunidade unida aonde ninguém era melhor do que ninguém, todos eram importantes, etc. A parte socialista do nacional-socialismo. Aos poucos a sátira passou a ser mal-vista, era uma crítica generalista e injusta, e ninguém deveria ser alvo de piadas.

A peça de teatro de 1933 Die endlose Straße conta a história de uma guarnição militar que recebe um oficial tesoureiro novato, apavorado com a guerra distante. É uma bobagem, uma sátira inofensiva, mas a Associação dos Tesoureiros Militares fez uma reclamação formal.

O Schwarze Korps publicou uma crônica sobre uma mãe que queria enviar uma árvore de Natal para o filho soldado no exterior, mas fica presa na burocracia, os atendentes não sabem se o pinheiro pode ser exportado, se precisam consultar o departamento de agricultura, etc. Uma clássica disputa entre o cidadão comum e a burocracia exagerada, nada demais, certo?

Errado, dezenas de funcionários públicos escreveram revoltados dizendo que era um ataque ao funcionalismo público e ao Estado Alemão, que aquilo era um absurdo, bla bla bla. E não ficou nisso. Eles receberam cartas reclamando de sátira envolvendo “alfaiates, médicos, criados, padeiros, contadores e amestradores de leões”.

Não era só a SS que sofria na mão do pessoal reclamão. O Die Deutsche Presse, órgão oficial da Associação Alemã de Imprensa publicou em um editorial que “A nação alemã como um todo se sente ofendida por sátiras”.

O Schwarze Korps chegou a publicar uma capa pedindo aos leitores que tivessem… “Mais humor”.

Isso mesmo que você leu. A sociedade estava tão mau-humorada que o órgão oficial da SS teve que pedir pro povo relaxar e aprender a aceitar uma piada de vez em quando.

O Brennessel também publicou um editorial, que se encaixaria perfeitamente hoje em dia, descrevendo o grupo de leitores que viva escrevendo reclamando das peças de humor:

“Aqueles completamente sem senso de humor. Eles vasculham por todos os lados, procurando por um olhar debochado, eles são a antena do protesto, receptores da indignação”

Walter Foitzick, como já dito, se sentia seguro para criticar e satirizar o governo nazista, mas morria de medo de ofender os “poderes ocultos”, “ciclistas, amantes de cactus, jogadores de futebol e velhas surdas”. Ele parou de fazer piadas envolvendo qualquer grupo, e não foi o único.

Havia consenso que os grupos reclamando eram pessoas com baixa autoestima, insatisfeitos com suas vidas e que projetavam seu status pessoal como muito importante, por isso quando eram satirizados tinham essa percepção abalada e então se ofendiam, mas diagnosticar o problema não adiantava.

Um problema de percepção

Parte do problema é que na sociedade nazista os órgãos oficiais de comunicação tinham muito peso, então os grupos que eram satirizados se sentiam ameaçados. Não eram, todo mundo era um alvo válido e as piadas não tinham nenhuma intenção oculta exceto satirizar um aspecto qualquer do dia-a-dia, mas para uma minoria mentalmente fragilizada, se o jornal mencionava o grupo dele numa piada, era uma ameaça.

NOTA: Estamos falando de piadas entre a sociedade alemã, não do humor político visando atacar a oposição ou desumanizar grupos como judeus e similares, mas esse humor, por ser humor a favor, nunca era engraçado.

As vendas das revistas humorísticas começaram a cair, e as que não fecharam mudaram sua linha editorial, adotando uma linha de humor inofensivo chamado “humor do bem”. Você leu aqui primeiro, Marcos Mion é Hitler.

Um autor na revista Fridericus exigiu em um texto algo que é virtualmente indistinguível de um Justiceiro Social de 2020 reclamando de alguma bobagem que o Danilo Gentili falou:

“Chega de piadas às custas de pessoas que são economicamente dependentes, inferiores hierarquicamente ou aqueles que são simplesmente indefesos. Essas piadas não são engraçadas, mas brutais.”

Outro crítico nazista escrevendo para a Die Brennessel foi enfático:

“Risadas matam”.

Ao ver que as reclamações surtiam efeito, outros grupos sem senso de humor se juntaram ao coro. Chefes de organizações militares como o General Werner von Blomberg exigiram que cessassem as sátiras envolvendo o Exército, e até o administrador da Saxônia exigiu que parassem de fazer piadas com o Acre Germânico.

O humor ácido e satírico foi exterminado com eficiência germânica, dando lugar ao “humor do bem”, piadas leves e inofensivas, no melhor estilo Praça da Alegria, e logo o império mais malvado da Terra passou a defender oficialmente um humor de jardim de infância, que foi prontamente esquecido.

Os paralelos com os tempos modernos são impressionantemente similares. Grupos em situação confortável historicamente na falta de grandes causas descobrem que podem ganhar atenção se fazendo de ofendidos, e como ninguém quer ficar mal na fita -nem mesmo os nazistas- a minoria barulhenta é sempre atendida.

Humor pode ser uma forma de protesto, um jeito de desarmar o inimigo -se você consegue rir dele, como ter medo?- uma ferramenta de criar elos sociais, ao fazer piadas do outro grupo, meu grupo fica mais unido, mesmo que o outro grupo faça as mesmas piadas comigo.

Em 2006, com a controvérsia dos cartoons de Maomé comendo solta, um jornal iraniano resolveu fazer um concurso de cartoons antissemitas, para atacar Israel. Indignados, um grupo de humoristas israelenses disseram que se alguém iria zoar Israel, seriam eles mesmos, e criaram um concurso israelense de cartoons antissemitas, com a logo acima. Óbvio que os vencedores foram 10x melhores que os iranianos.

Humor pode ser usado para desarmar situações de tensão e criar pequenas pérolas de solidariedade e empatia. Quando você escuta a piada da mãe e os burocratas não sai pegando em armas “morte aos burocratas”, apenas sorri e pensa “sei como é, já passei por isso”.

Os “alvos” das piadas não conseguem perceber essa sutiliza, desprovidos de senso de humor eles são literais, Incapazes de rir de qualquer coisa, que dirá de si mesmos.

Os alemães perderam a capacidade de rir de si mesmos e só por isso mereceram perder a guerra. AH, e por Auschwitz. Por isso e por Auschwitz.

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